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A última entrevista de Monarco, ícone do samba e eterno mestre

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publicado em 18/12/2021 às 11h59
atualizado em 18/12/2021 às 14h22

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Em outubro passado, o MaisPB conversou com Monarco pelo telefone. Ícone do samba e presidente de honra da Portela, Monarco morreu aos 88 anos, sábado passado (11), no Rio de Janeiro. O artista faleceu devido complicações de uma cirurgia no intestino.

O mais antigo integrante da Velha Guarda da azul e branco de Madureira, Hildemar Diniz, conhecido internacionalmente como Monarco, nasceu em Cavalcante, Zona Norte do Rio e, ainda menino, se mudou para Oswaldo Cruz, bairro de origem da Portela. Já naquela época, teve contato com os sambistas da escola e começou a compor sambas.

Quando completou 87 anos, em agosto do ano passado, a gravadora Biscoito Fino lançou CD e DVD do projeto “Velha Guarda da Portela”, gravado na quadra da Escola, com participações de Maria Rita, Teresa Cristina e Cristina Buarque. O registro histórico é de uma apresentação da Velha Guarda da Portela na quadra da Escola, em Madureira, em 2015.

As cantoras Teresa Cristina, (foto com Monarco) interpreta “Sofrimento de quem ama”, de Alberto Lonato; Cristina Buarque um samba que gravou pela primeira vez em 1974, “Quantas Lágrimas” (Manacea), e Maria Rita escolheu um clássico de Monarco e Ratinho, “Coração Em Desalinho”, que já faz parte do repertório da cantora.

O “Velha Guarda da Portela – Minha Vontade”, o grupo composto por cantores, instrumentistas e ritmistas imprimiu seu estilo inconfundível a sambas clássicos compostos por seus fundadores e personalidades ligadas à história da Escola e ao subúrbio carioca.

Portela 1920

Fundado na década de 20 no bairro de Oswaldo Cruz, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela é a mais antiga Escola de Samba do Rio de Janeiro. Ao longo de décadas, a agremiação viu surgir vários compositores e cantores que ajudaram a escrever a história do samba e da música popular brasileira.

Conhecidos pelo grande público como a Velha Guarda, o grupo segue honrando a tradição da “majestade do samba”, como dizem os versos de “Corri Pra ver” (Monarco/Chico Santana/Casquinha da Portela), e cantando o amor, a amizade, o carnaval e tantos outros temas.

O MaisPB conversou com Monarco, que estava ao lado de sua mulher, Dona Olinda, e traz esse material com exclusividade para os nossos leitores.

Confira a entrevista

MaisPB – Como o senhor viu a homenagem da Biscoito Fino, que lançou o show “Velha Guarda da Portela – Minha Vontade”, o ano passado?

Monarco – Olha, eu vou dizer, isso é uma coisa bonita e louvável, porque a Velha Guarda estava sendo desconsiderada, o pessoal estava com projeto na mão, gravamos, ficou tudo bonitinho e não saiu. Ficamos a ver navios e todo mundo me perguntava – e o DVD, Monarco, quando vai sair?

MaisPB – Mas a Biscoito Fino fez bonito, né?

Monarco – Sim. Todo mundo ficou feliz. Trata-se de uma coisa bem feita, agradecemos muito a Biscoito Fino pelo respeito a Velha Guarda e eu gravei um disco lá também, eles cuidaram muito bem. Então, estamos felizes

MaisPB – Há quanto existe a Velha Guarda da Portela?

Monarco – Há 51 anos

MaisPB – Tem muitos componentes da época?

Monarco – Não meu filho. Do pessoal da antiga só tem eu. Eu e a Zurita, que é da Pastora, o resto todos já se foram. O pessoal vai chegando e a gente selecionando. A Velha Guarda não acabou e não pode acabar. Uns vão morrendo e a gente vai substituindo. A Velha Guarda está firme e forte, Já se foi Vicentina, Ventura, João da Gente, Doroteia. O último que partiu foi o David, que tocava pandeiro. Vão morrendo e a gente vai botando outro.

MaisPB – Além de compor, o senhor canta na Velha Guarda?

Monarco – Eu faço tudo, canto, componho, toco tamborim, eu faço o que eu sei fazer no samba.

MaisPB – O senhor lembra como surgiu a Velha Guarda, de quem foi a ideia?

Monarco – Foi Paulinho da Viola, o sonho do Paulinho era fazer um disco para gravar aquelas jóias raras que estavam guardadas lá no baú. Coisas lindas que a gente fazia, sem pensar em gravação, era tudo muito espontâneo, sambas lindos. O sonho do Paulinho era fazer um disco com essas músicas e ele realizou esse sonho. Ele conseguiu com João Araújo, ( pai de Cazuza) e o pessoal da RGE, que deu carta branca e ele correu atrás do repertório. Paulinho escolheu a Velha Guarda. Já tinha a Velha Guarda, que era chamada de Velha Guarda Sul. A Portela foi a pioneira. Todas as escolas agora têm. É muito bom ter, né? Isso vem desde 1970. Paulinho fez o disco e daí formou o grupo e depois saímos fazendo shows. Era tudo muito devagar, mas entre trancos e barrancos nós seguramos a onda, bem vigilante e, hoje, somos um grupo condecorado mundialmente.

MaisPB – O grupo já viajou muito né, Monarco?

Monarco – Sim, já fomos na França, na Itália, Alemanha, Eu representei a Portela nos Estados Unidos, Japão, que fizeram dois discos nossos. Como o grupo é grande, quando não pode ir todo mundo vai um, que representa a Velha Guarda. Temos discos pelo mundo inteiro.

MaisPB – Quantos componentes?

Monarco – Agora estamos com onze competentes, quatro pastoras e 7 membros, o cavaquinho, o surdo, o violão, tem uma cuíca, pandeiro…

MaisPB – O senhor nasceu no Rio de Janeiro?

Monarco – Sim, nasci no bairro Cavalcante.

MaisPB – Quando entrevistamos Teresa Cristina, ela fez elogios ao senhor.

Monarco – Ela é uma menina boa. Nesse DVD ela canta “Sofrimento de quem ama”. Se ela falou bem de mim, é porque ela tem razão e eu fico feliz em ouvir esse elogio. Minha ideia sempre foi ajudar a todos, sem discrição de cor, de nada. Eu fico feliz quando recebo elogios dela, de Marisa Monte, Maria Rita, Cristina Buarque….

MaisPB – O senhor esteve aqui em João Pessoa, em 2004, no Projeto Pixinguinha com ela, Teresa Cristina?

Monarco – Eu fiz o projeto em Campina Grande e João Pessoa, como eu estou com 88 anos algumas coisas eu me lembro, outras eu me esqueço, se eu tiver enganado, você me desculpe. Ah, lembrei, no Projeto Pixinguinha, lembrei bem, fui representando a Velha Guarda, a Teresa Cristina, Roque Ferreira e Ivor Lancellotti. Você tem razão.

MaisPB – Como o senhor vê o trabalho dela, hoje?

Monarco – Então, ela tem o dom de cantar, ela é cria da gente aqui. Eu fui dos que botei ela para cantar numa casa que eu fazia shows, mas a pessoa quando tem o dom, já consolida a carreira. É uma grande cantora e merece todo nosso apoio. Ela aprendeu muita coisa comigo. Uma moça digna. Boa menina

MaisPB – A canção “Coração Em Desalinho” que Maria Rita gravou é sua, né? Vamos falar sobre essa beleza?

Monarco – É minha e de Alceu Correa, que o chamam de Ratinho, A primeira parte eu fiz, e ele a segunda parte. Cantei pra ele, que gostou e botou a segunda parte. Zeca Pagodinho gravou e saiu por aí, Maria Rita também é da nossa turma

MaisPB – O senhor chegou a conhecer Cartola?

Monarco – Conheci muito, era um grande artista, era muito bom.

MaisPB – E Clementina de Jesus?

Monarco – Conheci, mas não convivi com ela. Eu tive mais intimidade com Dona Zica, Cartola, Vicentina. Clementina era o orgulho da raça negra. Com ela gravamos Cocorocó, fizemos o coro, mas deixou saudade.

MaisPB – Quantas vitórias o senhor viu a Portela ganhar na avenida?

Monarco – Ah, meu filho eu vou ficar te devendo essa. Eu comecei a desfilar na Portela em 1947, ganhamos com o tema “Santos Dumont”, depois fomos campeã em 1951 com o enredo “Getúlio Vargas”, em 1956, “Seis Datas Magnas da Nossa História”. Quando eu cheguei a Portela, ela já era a tal, poderosa, também a Mangueira. A Estácio deu o pontapé inicial, Portela e Mangueira seguiram. Nós temos 22 títulos. Somos a que tem mais vitórias.

MaisPB – O que o senhor está achando do Brasil?

Monarco – Eu não falo em política, meu partido, é o Partido Alto.

MaisPB – Muitos filhos, Monarco?

MaisPB – Minha filha Lidimar já faleceu. Mauro Vinícius é músico conhecido, Marquinho Diniz, é autor do samba “você sabe o que caviar, nunca viu, só ouço falar”, canta Monarco pelo telefone. Meus filhos puxaram a mim.

MaisPB – O amor por Olinda é grande?

Monarco – É muito grande, não tem nem dimensão. É a dona do meu coração, é a mulher que caminha comigo nessa jornada, suportando tudo e estamos aí sempre na nossa felicidade, em nome de Deus, que abençoou o nosso amor, de mãos unidas.

MaisPB – ´O senhor é um homem feliz, Monarco?

Monarco – Muito feliz, muito feliz

Assista aqui Monarco e Maria Rita com a Velha a Guarda

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