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Graduado em Jornalismo, Yago Fernandes é um “pitaqueiro” sobre a vida, relações humanas e um apaixonado pela comunicação. É mestre de cerimônias e tem experiência com palestras e oficinas de Oratória. Atualmente, também é assessor de comunicação.

O Natal de Hector e Maria: futuros incertos sob um Brasil em frangalhos

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publicado em 15/12/2021 às 07h06
atualizado em 15/12/2021 às 04h07

“Garimpando” na internet – sim, leitor, leitora, o jornalista é como um garimpeiro, que vive a procurar por pedras preciosas na terra. Neste caso, a internet é a terra, e a pedra preciosa é a notícia. Vou clarear a conversa de hoje. 

Vivemos tempos nebulosos, sabemos disso. Neste fim de semana, me correram pelas retinas matérias as quais chamara-me a atenção, vou compartilha-las com vocês. Vejam estas duas manchetes “Menino pede carne para Papai Noel e ganha doações: ‘Melhor Natal da vida’. “Por sonho de virar influenciador, crianças apelam até para o Papai Noel”.

O menino, de 7 anos, chama-se Hector (foto) . Ele é do Rio Grande do Sul. Resumindo a história: o garoto escreveu a cartinha ao Papai Noel, pedindo que o bom velhinho ajudasse sua família a ter carne neste Natal. Ora, só pela manchete suponhamos que Hector vive num lar sem muitos recursos… Sua mãe resolveu compartilhar o fato nas redes sociais. Não deu outra: as doações sugeriram, o Natal será mais farto, e todos ficaram felizes. A matéria está no site Uol. 

No segundo caso, uma menina de 9 anos pediu ao Papai Noel seguidores no Tik Tok. Vou chamá-la de Maria, já que sua identidade não fora revelada. O que se sabe, todavia, é que a cartinha foi recolhida durante uma ação de Natal de um shopping no Amazonas. A matéria está na Folha de São Paulo. 

Quer dizer… desejos de duas crianças remetidos ao velho Noel, mas histórias e realidades totalmente diferentes. A coisa não pode passar incólume. É preciso discutirmos seriamente, pois são duas problemáticas. –“Ah, Yago, mas não vi nada demais. O garotinho conseguiu o que queria, e, no caso da menininha, ela é inocente, foi um pedido diferente”. Fome e conectividade exacerbada (ou vício mesmo) são dilemas danosos à vida de qualquer pessoa. 

Qual será o futuro destas crianças? Sim, porque quando leio a reportagem acerca de que “Famílias comem lagartos e restos de carne para enganar fome no RN”, tal situação não só diz respeito ao estado nordestino, vejamos o caso do menino Hector, lá do Sul, “terra boa”, de gente metida a bacana. Tudo mentira. O país, de Norte a Sul, tem fome, tem desemprego, tem incertezas. 

Como se isso não bastasse, a era da tecnologia parece ter mais atrapalhado do que ajudado. Não deveria ser assim, mas pais e mães omissos jogam eletrônicos na frente da criança que acabou de nascer. Agora, adolescentes, estão doentes psicologicamente, com sobrepeso e tudo mais. E sem essa de dizer que jogos estimulam criatividade, sem essa. “A surpreendente queda de criatividade em adolescentes do mundo detectada pela OCDE” (diz a matéria de novembro da BBC News). “Estudo aponta que jovens preferem vídeos online a jornais” (título de uma matéria do site Terra, também de novembro deste ano). 

A seguir, compartilho com vocês uma citação ímpar, talvez ela resume tudo que já venho dizendo aqui. A advogada e colunista Maria Augusta Ribeiro – presente aqui no Mais PB – lembrou, em uma de suas novas colunas, que o “negócio é tão tenso, que esse ano o vício em jogos online foi incluído pela Organização Mundial da Saúde (OMS), classificado como gaming disorder (transtorno dos jogos eletrônicos), e tratado o hábito de jogar online como patologia.”

O que esses dados revelam, de forma bem clara, é que de uma maneira ou outra crianças e adolescentes já fazem parte da era digital. Mas isso não significa necessariamente que tenham as habilidades essenciais para entender os desafios e as oportunidades, questionar sua presença online e atuar com responsabilidade e segurança nas redes. É bem verdade que muitos sigam e curtam os influenciadores digitais sem fazer as devidas reflexões. 

Eis, pois, o pior momento cultural e moral vivido neste últimos anos. Precisamos, portanto, de políticas públicas que levem mais assistência àqueles que nada têm em suas mesas. Com a pandemia, a desigualdade foi destampada como algo nunca notado. Políticos tem de agir. Já no caso das crianças e adolescentes viciados, que seus pais também imponham limites e os eduque para a cidadania, para o verdadeiro mundo: o real.

O Natal de Hector pode até ser mais saboroso este ano, com carnes, dinheiro, fartura por alguns instantes. E depois? O Natal da Maria pode até ser mais divertido, cheio de seguidores e likes. E depois? Enquanto isso, o Brasil sob frangalhos segue sem projeções e sem muita perspectiva. Salve-se quem puder. 

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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