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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

O que passa com nossas crianças?

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publicado em 26/09/2021 às 12h36

Emília lida com quatro turmas de hidroginástica; em conjunto são 76 crianças. Estava na Academia quando chegou Virginia uma senhora que desejava se encontrar com a professora. “Apresentei-me e convidei-a para sentar para poder conversar. Ela manifestou o desejo de matricular seu filho Nicolas de 8 anos, e foi logo dizendo. “Estou com vontade que ele faça aula de hidroginástica porque está com sérios problemas na escola e quero diversificar as suas atividades para ver se melhora”. Caiu no choro, em desabafo, afirmando que era uma pessoa infeliz, mãe solteira e tinha um único filho e agora estava passando por uma série de problemas com ele. Adiantou: “Ele encontra-se depressivo e triste na escola”. Fica isolado, não interage com as outras crianças o que gera a atenção de todos no ambiente.

Já foi chamada pelo educandário por duas vezes para cientificar-se da preocupação dos educadores com relação ao comportamento de Nicolas. Foi aconselhada a procurar um psicólogo, pois seu filho parecia ter perdido a razão e o sentido de viver. Virginia entrou em desespero. Ao continuar, contou: “O pai sai com ele uma vez por mês, mas não banca e nem se responsabiliza por nada, quem arca com tudo sou eu. Nicolas, quando vem dessa visita, fica endeusando o pai. Toda minha vida vivi em função do meu filho e estou sentindo-me fracassada”. Insistia em expressar: “Dou tudo que ele precisa. Não sou rica, mas o que posso fazer com sacrifício, faço, tem do bom e do melhor. Tem seu quarto bem decorado, celular, tablet, esses jogos eletrônicos etc.  enfim não sei o que lhe falta!”.

Na desenrolar da conversa, Emília procurou entrar mais a fundo na problemática elaborando uma série de perguntas, propondo refletirem juntas e identificarem o que se passava: “Procurei averiguar quais os momentos em que aquela mãe dispensava a atenção para o filho. Questionei: disse-me que dava tudo a ele. Certo? Agora indago: quantas vezes por semana sai com ele para passear? Inventa um programa diferente?

Durante o dia qual a hora que senta com ele para conversar ou mesmo brincar? Assistirem um filme ou desenho juntos? As refeições fazem na mesma hora? Tem algum parente que frequente sua casa ou vocês a dele? Percebia que a cada indagação ela não tinha como responder e justificava-se reforçando a retórica que lhe fornecia tudo. E por aí vai. Foi quando a inqueriu: E o principal? Ela disse: “qual,” eu falei: “o amor pelo seu filho? Necessita sentir-se amado. Achei que fui dura, mas era necessário para que enxergasse os equívocos de seu comportamento. Virginia momento nenhum demonstrou aconchegá-lo. Vive só, embora rodeado dos bens materiais que julga satisfazê-lo em sua solidão infantil. O mais importante, não é o que lhe presenteia.  Requer a atenção de mãe que está lhe faltando.

Virginia chegou a confessar: “Desejo desaparecer”, falava assim por admitir falhas e com aquela ação livrar-se do problema e que fosse resolvê-lo”. A docente descortinou o quadro e a problemática situacional, vendo-se na obrigação de evidenciar a verdade, que se encontrava camuflada sob a ótica de Virginia. Durante todo tempo ela foi aos prantos, inconsolável. Emília disse-me: “Não sei onde encontrei forças e palavras para expressar o que disse àquela mãe. Chego a nem me lembrar de tudo, acho que foi o Espirito Santo que me inspirou”.  Nicolas tem a assistência de uma babá, que o trata como um robô.

Durante a pandemia parece que as questões de depressão nas crianças foram evidenciadas. Com as escolas fechadas, elas perguntam: Por que estão fechadas? Por causa da corona vírus. E quando ele vai embora? Os pediatras e estudiosos apontam que em seus consultórios há uma demanda de crianças com transtornos mentais transparentes nas emoções, pensamentos e comportamentos com dificuldade de interação social. Somando a isto o uso indiscriminado da internet em que ocupa o maior tempo delas em seu manuseio, agravando a falta de motivação de relacionar-se com os adultos, e sobretudo com as outras crianças.

Gustavo Estanislau (2015), médico psiquiatra, especialista em psiquiatria da infância e da adolescência pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, defende a detecção precoce e o olhar preventivo, com ênfase no papel de terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogas, psicopedagogas. A pediatra e hebiatra e presidente do Departamento de Adolescência da Sociedade Baiana de Pediatria, Sandra Plessim (2013), expressa: ” O diálogo, ouvir, olhar nos olhos, conhecer os amigos, vivenciar a família são protetores e ajudam a diminuir a incidência dos transtornos.

Os adolescentes estão numa fase de transformação de aspectos biológicos, psicológicos e sociais. É uma fase de identificação com o eu, saber quem é, o que deseja ser e o que os outros esperam deles. É fundamental o apoio e vigilância dos responsáveis”

Observa-se que a situação existe e é motivo de estudos dos diversos especialistas preocupados com a saúde das crianças, nesse tempo discricionário e tão difícil de ser administrado. É necessário o esforço conjunto dos diversos profissionais que não só depende da atuação deles, mas sobretudo do envolvimento dos familiares. Nesse sentido, Gabi Crenzel (2021) estudou os impactos da pandemia nas crianças e chama a atenção de que nós adultos somos afetados e temos um grau de maturidade, imaginem as crianças que são frágeis e mais vulneráveis, porque além de sofrerem todas as limitações que lhe são próprias da idade nos relacionamentos sociais do momento elas têm o adulto como eixo regulador e protetor.  Constata a médica que elas se encontram afetadas e não se sabe até quando isto se prolongará e quais os danos que irão causar. Acrescenta, “sem a devida supervisão, eles têm maior risco de buscar apoio em redes sociais e acabam sendo influenciados de forma perniciosa.

Nos últimos anos vêm surgindo na internet grupos que promovem o suicídio, automutilação, anorexia, que “ensinam” técnicas de purgação, formas de se machucar e estratégias para driblar a vigilância da família. Aqui mesmo em Joao Pessoa há uma escola que tem em seu currículo a disciplina Socioemocional na educação de crianças, que eu não sei e nem imagino o conteúdo abordado.

Os brinquedos da moda Pop it Fidget Toy são antistress e toda criança quer tê-los; existem em várias formas que servem para acalmar as crianças. Como podíamos imaginar na minha época tal coisa? Criança estressada? Na minha trajetória de infância minha mãe, talvez mesmo pela ignorância, resolvia o stress na “psicotapa”. Era dando limites, regras, o certo e o errado eram claros e o amor era o sentimento preponderante. Não sei se foi o mais correto, mas o resultado está para nos dizer. Os filhos todos criados, respeitando pai e mãe e os mais velhos, sem nenhum trauma e bem resolvidos. Na minha função de mãe e na medida do possível procurei seguir na mesma linha. Não tenho o que lamentar. Hoje são outros tempos. Não é propósito abordar aqui.

O problema explicito é dos mais sérios e chama a atenção de estudiosos do mundo inteiro. Não é à toa que a Organização Mundial de Saúde (OMS) criou o dia 10 de setembro de 2003 como o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio. Foi realizado o movimento que se chamou Setembro Amarelo adotado no Brasil a partir de 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) que objetiva conscientizar a população da problemática uma vez que pelos indicadores estimados pela OMS,  800 mil pessoas morrem por ano em todo mundo. No Brasil, 14 540 pessoas tiraram a própria vida só em 2019, o que equivale a 39 óbitos por dia, quase dois por hora. Entre idosos, os números são ainda mais alarmantes.

Percebe-se que a conversa de Emília com Virginia, mãe de Nicolas, surtiu grande efeito. Virginia matriculou-se na aula de hidroginástica, como também Nicolas que se apresenta hoje como uma criança feliz e bem resolvida. Na escola, as professoras se envolveram e perceberam a mudança. Nicolas e sua mãe estão frequentando a psicóloga, que fez entender que o problema se centrava mais nela que em seu filho. Virginia expôs para Emília: “Você falou-me coisas que tocaram profundamente na minha alma. Se não tivesse acontecido eu ainda estava pensando erroneamente porque não conseguia enxergar como me retratou”.  Temos que estar sempre vigilantes, empenhados em resguardarmos nossas crianças, pais, familiares e professores, pois se constituem em nosso maior patrimônio.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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