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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Anjos Tronchos e o que está por vir

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publicado em 18/09/2021 às 08h51
atualizado em 18/09/2021 às 19h06

(para Francisco Taboza do @caetanoefoda)

Caetano Veloso escreveu no primeiro single “Anjos Tronchos” do disco “Meu Coco” a ser lançado ainda este ano, uma crônica em que metaforiza um estupor a partir de imagens de uma ventania que vem do Vale do Silício, na baixa Califórnia, Estados Unidos.  Lá é o mega polo industrial que concentra diversas empresas de tecnologia da informação, computação, entre outras feras montadas nas esferas que constroem e destroem sonhos.

Numa linguagem visual de frente ao colorido escuro, lodo lado do mundo do algoritmo e nada mais a seguir ou se encaixar. O single ainda nos remete a experiências com o velho tecnicolor e suas dimensões tardias, a sonhos de poemas e poetas, que poderão nos salvar e nos tornar mais resistentes, resilientes que nunca somos capazes de manter a calma diante das adversidades ou novidades ou seremos  sempre mais e mais e mais.

Os efeitos sonoros, as citações são de um furacão, cenas representadas pela canção e que, ao final da leitura, nos envolve num palco/abraço vazio imaginário coletivo que não existe mais. Existirá outro dia.

“Anjos Tronchos” são as consequências dessa ventania que ocupa espaços em nossos neurônios, onde quase não há espaço nenhum. Já não há sequer esse respirar durante o percurso inverso ao cruzamento com os anjos tronchos, muitos tronchos, que surgem aos milhões como se fossem replicantes. Blade Runner e seus androides perdem feio para Caetano Veloso. O mundo todo. Caetano é foda.

Uns anjos tronchos do Vale do Silício
Desses que vivem no escuro em plena luz
Disseram: vai ser virtuoso no vício
Das telas dos azuis mais do que azuis.

.

Queria começar pelo fim, chegar a alguma conclusão de quando a idade tinha razão, mas não sei, não posso, a escuridão da luz plena me cega e sou vela, velejar, vilarejo, perto dos anjos tronchos, sou ninguém.

Palhaços líderes brotaram macabros
No império e nos seus vastos quintais
Ao que revêm impérios já milenares
Munidos de controles totais.

A canção esfola e fulmina nossa rotina banal, provinciana, nas conversas de Ana de Amisterdã, os sacos de lixo brilhantes do Leblon, as dolorosas risadas ou nada, a morte da última gargalhada, de uma atmosfera de velhos e jovens, doentes e duendes, deusas nuas da mitologia e da impureza, dureza do Haiti aqui, ali nessa guerra de comunidades globais.

E quando a gente acha que está vendo com os olhos bem fechados, algo de horror instalado, os anjos tronchos que mataram Marighella 1969, mesmo que seja triste, muito triste da nossa época, topamos com os versos de anjos tronchos, que nos traduzem ou traduzindo o mau desses podres poderes, há muito cantado por ele, dessa densa e porcamente sociedade, uma horda de mal educados formada por anjos valentes, anjos que sequer possuem pentelhos agarrados a trilhões de trinta dinheiros.
Os horrores se multiplicam com os palhaços que brotam e se transmudam feito vírus matador de gente, tão urgente.

Claro que eu prefiro “a morena bela Estás aqui, Sem pele, tela a tela: Estamos aí”

Claro que estamos ali, nós vozes e vultos verbais seguidores do Anjo 45, até do que somos e do que restou do que éramos “havia tempos atrás”

Claro que eu escutei a canção mil vezes e até tentar me levantar da poltrona do papai, feito um robô, sair de mim, viajar em Basel, em Nietzsche, mas as crianças nunca entram de férias.

“Primavera Árabe – e logo o horror” , primavera Brasil de flor murcha. “Querer que o mundo acabe-se”, mas as “Sombras do amor” permanecem invocando gotas de orvalhos tropicais.

Uns anjos tronchos do Vale do Silício
Tocaram fundo o minimíssimo grão
E enquanto nós nos perguntamos do início
Miss Eilish faz tudo o quarto com o irmão.

Caetano deu uma rasteira no mundo, no lado estético, do fetichismo do voyeur hábil, vapor barato da descrença e da desgraça que os anjos tronchos do planalto central querem o que não podem. Arrasta a sandália, seu moço que é poço é mais fundo.

As minhas interpretações permanecem absurdas, se elas ainda parecerem convincentes, e garanto que serão mais felizes os infelizes na confiança inútil da ignorância sobre as escusas ou lídimas intenções do eterno viver.

São os belos claros breus da voz da Bethânia, Beta, Beta, Beta, Beta que vazam dos azuis mais azuis. Please send me a letter.

Ah, Miss Billie Eilish vem aqui no meu quarto e me salva, salva meus irmãos  Alex/GuiMazzeo – que nos salvarão das trevas, travas línguas e das tentativas de descobrir a diferencia do homo habilis aos anjos tronchos desumanos, mano contra mano e nada mais, animais.

“Ouvimos Shoenberg, Webern, Cage, canções…”

Nunca chega dessa cica de palavra, porque os anjos são tronchos únicos que pensam balelas, no Vale do Silício. É isso! Ódio a Graham Bell e à telefonia todo dia, todo dia, todo dia.

Kapetadas

1 – Por hora só exercitamos a mente e o aparelho digestivo.

2 – Pra quem não me conhece eu virei um algoritmo.

3 – Som na caixa –“ E a crítica que não toque na poesia”, dele CV

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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