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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Dedicando gols

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publicado em 06/08/2021 às 07h45

Nelson Rodrigues (foto) fez a crônica muito amiga do esporte. Entre a redação do jornal A Manhã e os estádios de futebol, escreveu crônicas criativas sobre as chuteiras em campo. A afinidade da família de Rodrigues com as bolas de futebol era tanta que Maracanã é apenas apelido. O Maraca, na verdade, recebe formalmente o nome do irmão de Nelson: Estádio Jornalista Mário Filho.

Com as Olimpíadas reacendendo a chama, em nossos espíritos, de pertencer a uma comunidade, não poderia deixar de escrever, hoje, sobre esporte. Eu, que não tenho fôlego para subir uma ladeira muito inclinada, chorei com a entrevista de Ítalo após conquistar o ouro no surfe; vibrei com ardor a vitória de Fadinha; passei dias com “Baile de Favela” na cabeça, revendo os movimentos de Rebeca Andrade.

Como quase todos os outros campos da vida, o esporte também é refletido na Literatura. Em O Drible, de Sérgio Rodrigues, o futebol é celebrado em um jogo de vozes narrativas que investiga também as relações familiares. É um livro ficcional, mas de essência brasileiríssima. Nem sempre a Literatura precisa ser tão próxima da realidade. Afinal, quem nunca sonhou em disputar uma partida de Quadribol, atividade praticada pelo bruxo Harry Potter? Nesse caso, a vida só não imitou a arte porque falta magia para subir em uma vassoura, alçar voo e tentar capturar os reluzentes pomos de ouro.

Nem mesmo a poesia, tida por muitos como gênero de temas mais nobres, passa imune ao esporte. Sérgio de Castro Pinto, poeta paraibano, realiza uma ode aos gramados e aos seus ídolos em A Flor do Gol. Nas palavras do poeta, a bola se transforma: de meramente esférica, vira semente para a flor do gol que explode em primavera.

Quando o meia do Palmeiras, Gustavo Scarpa, não está semeando o gol, está lendo. O jogador tem usado sua visibilidade para estimular o hábito da leitura, já que compartilha, no Instagram, suas próprias imersões no universo literário. Com uma capacidade de síntese ímpar, Scarpa explica A Metamorfose, de Franz Kafka: “mlk inseto”.

O jogador também se dedica à leitura de títulos religiosos, mas conquistou a internet com suas resenhas de clássicos. É o caso de O Alienista, de Machado de Assis, interpretado assim: “tá todo mundo louco, sepá”.

Em entrevista à BBC Brasil, Scarpa contou que a Literatura entrou na sua vida desde cedo, quando um amigo decidiu presentear-lhe com um livro a cada gol marcado. Em um jogo recente, o jogador até dedicou um gol ao personagem Jean Valjean, de Os Miseráveis. Fosse eu atleta, faria o mesmo.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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