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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Galvão, um homem que eu amava 2

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publicado em 10/07/2021 às 08h46
atualizado em 10/07/2021 às 06h25

Silencio, Walter Galvão está dormindo!

Quando eu era menino, gostava de ir na maternidade da minha cidade para ver os bebês que tinham nascido, naqueles dias. Na sala principal tinha um quadro de uma mulher e o indicador sobre seus lábios e a palavra silencio, que anunciava que os bebês estavam dormindo. Era a vida expectante do mundo de lá. Não sei porque lembrei disso.

Não me cansa o que existe, resiste, a vida de uma pessoa, que tem a duração de uma canção que a gente assobia, uma cantoria antiga, o velho quadro de um cinema desmembrado de uma cidade do interior. Tudo passou.

Silencioso, o amigo WG se foi numa distância de ontem e o frio na barriga que me faz lembrar coisas outras, tantas, e eu me vejo como um
um cântaro de barro em pedaços.

Estou velho, recompondo etapas, tentando escrever um romance e não tive tempo, sequer o arrepio de que se reconhece, reconhecido, que eu queria que ele visse os primeiros capítulos e apresentasse meu livro.

Estava a ler descrições vivas sobre Walter Galvão, a sua nudez espalhada na Internet, contra a luz opaca do meu computador e a minha incapacidade de estalar dedos, nas impressões mais sutis a cercar minha dor.

Galvão cujo o sono agora é o despertar de um bebê, e que teve, tem e terá uma representação grande em minha vida, como o aguardo dos pássaros que me visitam pela manhã, pondo ordem na desordem dos meus pensamentos, na minha respiração, do “Som Diz Sim” da arte do artista Herbert Vianna, uma de suas obras.

Silencioso tudo isto, na distância da imagem que fez o homem, homem feito, o homem do mar, ainda jovem, a nos deixar o seu sal, no abraço lá da banca de revista, que riscava a pele, a minha necessidade de dizer que eu o amava.

Ali diante do sol, diante de um céu, dos movimentos dos barcos…

Tão azul o céu de Tambaú, naquela última manhã, ele se afastando, encabulado, jamais irado, comedido e eu nunca disse que o amava, porque ele sabia, estava explicito.

Não apenas por ser letrado, a sua vida era uma espécie de poesia, um bocado da alegria minha, ao vê-lo sentado na varanda da nossa casa me convidando para voltar a escrever no Jornal União. Obrigado, Galvão!

Galvão zarpou da história do Brasil, deu no pé para não ver o que vai dar.
Saiu devagar, lentamente. Foi visto no antigo Bosque dos Sonhos do Cabo Branco, sem rastos nenhum, sem olhar pra trás, sua imagem refletida nas ondas renovadas, porque não havia mais tempo para essa vida besta.

Finco meu texto na profundidade dos seus gestos, na sua cabeça. Obrigado por você ter existido, Walter Galvão!

Kapetdas

1 – É isso, alvorecer é um despertador movido a fótons, que só as pálpebras ouvem.
2 – Se eu fosse Hamlet já estaria vacinado e não ia ficar por aí escutando ser ou não ser essas bobajadas todas.
3 – Som na caixa: “Tú me acostumbraste a todas esas cosas/Y tú me enseñaste que son maravillosas”, de Frank Dominguez

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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