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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Torto Arado, uma língua afiada

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publicado em 22/06/2021 às 07h51
atualizado em 23/06/2021 às 12h45

Chegar ao fim do romance “Torto Arado”, visitar o espaço geográfico, as personagens, dá uma sensação de continuidade.

“Torto Arado”, (Editora Todavia) o romance de Itamar Vieira Junior, conta uma história de vida e morte, de combate e redenção, onde a carne não é fraca e a faca segue cortando na escuridão.

O impacto está no começo, na hora em que as irmãs Belonísia e Bibiana mexem na faca da avó Donana – uma delas perde a língua e a outra passa a ser sua voz, numa terra chamada “Água Negra”, na Chapada da Diamantina, Bahia. Tem que ler, só vai entender quem lê. E olhe lá.

Lembrei de Santo Agostinho que relata a perda de um amigo no Livro “Quarto das Confissões”. A violência da dor, que apenas o tempo apazigua, leva à dúvida: “o homem tão querido que perdera, era mais verdadeiro e melhor que o fantasma em que lhe mandava ter esperança”. Quem seria o fantasma de “Torto Arado”?

Não é preciso olhar para trás para saber que “Torto Arado” é cheio de propósitos a cortar o Brasil profundo e mostra, que nem sempre quem se cala, consente, mas como disse a professora Joria Guerreiro, quem cala se concentra.

E quanto mais me olho no tempo perdido, nada sei de perdas. Vontade dar e passa. Não sei se sou Bibiana ou Belonisia. Não sei.

O livro de Itamar Vieira Junior se sobrepõe à rotina, a pior delas. “Torto Arado” mostra essa valentia. Sim, a perfeição é o limite determinado pelo prazo desse tempo, o tempo de cada um. Mas não há perfeição. Só cortes, de Belonisia e sua família. Saber que é provável na faca, na falta da fala de uma personagem, a força de um belo romance, que não tem tempo para terminar.

Torto Arado não tem fim.

Torto Arado tem pressa.

Não somos máquinas, temos dias, horas e raros minutos que podem deixar tudo a perder, matar o resto do tempo, que foi tanto e acabou sem nada. Não, “Torto Arado” não acaba em nada. A faca amolada segue. Num brinque não.

Está lá o buscar, que Belonisia não deixou escapar, e mais uma penteadela ao texto, uma corrida para a roça, uma demora a escutar quem não sabe da pressa, dessa urgência, de uma personagem que não fala, mas segue narrando um romance desconstruindo tudo que vem pela frente, para salvar a si mesma ou os escravos e negros brasileiros.

Dead-line, linha da morte. Que final!

O livro nos coloca numa vertigem. As irmãs Bibiana e Belonisia são ao mesmo tempo testemunhas de suas personagens, juntas ou separadas.

Nesse tempo, o tempo que não há registro em toda obra, ouvimos a voz dos mais velhos, repetimos aos mais novos, a mesma lição.

Um livro sem adrenalina, da história, de contar, de fazer chegar aos outros algo que temos, a pretensão que seja importante para eles, os escravos formando o bloqueio do roteiro. E continuamos, às vezes robots, às vezes demasiado gente com lágrimas que tentamos esconder, mas justiça seja feita: nem todo pau que nasce torto, segue torto. Descubra isso lendo “Torto Arado”. Vou reler.

Kapetadas
1 – O brasileiro tem o Brasil que merece.
2 – E aí já pegaram o Lázaro? Ô polícia fraca.
3 – Se for pra passar pano, eu posso aqui em casa, porque hoje é dia de faxina.
4 – Som na caixa: “Um brilho cego de paixão e fé, faca amolada”, Milton Nascimento e Beto Guedes.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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