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Paulo Galvão Júnior é economista, escritor, palestrante e professor de Economia e de Economia Brasileira no Uniesp

Os 85 anos da obra-prima de Keynes

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publicado em 29/04/2021 às 06h34

A obra-prima de Keynes intitulada The General Theory of Employment, Interest, and Money (A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda) foi publicada pela primeira vez em 14 de fevereiro de 1936, 160 anos depois de A Riqueza das Nações, de Adam Smith. No ano de 2021, A Teoria Geral completou 85 anos, é um livro que mudou a economia mundial, uma obra revolucionária ao realizar a ruptura com o liberalismo econômico, em apontar uma nova função do Estado na economia de mercado.

John Maynard Keynes (foto) nasceu em 5 de junho de 1883, em Cambridge, na Inglaterra, exatos 160 anos após o nascimento de Adam Smith (1723-1790), o maior economista do século XVIII. Ele nasceu no final do século XIX, era o filho mais velho de um casal de classe média alta britânica, o seu pai, John Neville Keynes foi economista, filósofo e professor universitário e a sua mãe, Florence Ada Keynes se tornou a primeira prefeita do munícipio de Cambridge.

O matemático, investidor, jornalista e professor de Economia, John Maynard Keynes, é considerado o Pai da Macroeconomia. Keynes defendeu a intervenção do Estado na economia de mercado, em tempo de crise econômica, num ambiente de incerteza, na aliança da eficiência econômica à liberdade individual, com ênfase à justiça social.

Hoje, participamos das comemorações alusivas aos 85 anos da obra-prima de Keynes, um livro primordial nos primeiros passos na Teoria Macroeconômica, que analisa a produção, o estoque de moeda, o nível de emprego, a poupança, o investimento, o consumo, a renda, o crédito etc. Iniciamos as noções básicas de Macroeconomia com Keynes, para entender a taxa de juros, a taxa de câmbio, a taxa de inflação, entre outras taxas, além de estudar o comportamento do ciclo econômico.

Em defesa da intervenção do Estado na economia capitalista e contra os pensamentos clássicos e neoclássicos (Lei de Say, laissez-faire, desemprego voluntário, mão invisível etc.) o economista inglês Keynes publicou sua magnum opus nas comemorações aos 160 anos de nascimento de Thomas Robert Malthus (1766-1834). A Teoria Geral é considerada uma das dez mais importantes obras de Economia de todos os tempos e tem 6 livros e 24 capítulos, tendo lançado as bases conceituais do keynesianismo.

A grande obra de Keynes, em língua inglesa, foi publicada pela primeira vez em Londres, há oito décadas e cinco anos. Em português, tem Prefácio do próprio Keynes (1983, p. 3), “Este livro é dirigido principalmente a meus colegas economistas. Espero que ele seja inteligível a outros, também, mas o propósito primordial dele é tratar de questões difíceis de teoria e, só em segundo lugar, das aplicações dessa teoria à prática”. Em seguida, Keynes (1983, p. 4) revelou no final do Prefácio, “As ideias aqui expressas tão laboriosamente são extremamente simples e devem ser óbvias. A dificuldade não está nas novas ideias, mas em escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram criados como a maioria de nós foi, por todos os cantos de nossas mentes”.

Keynes refutou a Lei de Say, de 1803, e inverteu a clássica lei, enfatizando que a demanda assegura a oferta. Segundo o economista francês Jean-Baptiste Say, “a oferta cria a sua própria demanda”. A Grande Depressão dos anos 30 levou o surgimento de um pensamento revolucionário de Keynes, com base em um tripé: (i) a teoria da demanda efetiva; (ii) a teoria do multiplicador; (iii) a teoria da preferência pela liquidez.

O professor de Economia Política da University of Cambridge, Alfred Marshall se aposentou e foi substituído por seu brilhante aluno John Maynard Keynes. Atualmente, a secular biblioteca da Universidade de Cambridge, tem mais de oito milhões de exemplares, entre eles, a obra seminal de Keynes, que provocou uma Revolução Keynesiana ao recomendar uma forte intervenção do Estado na economia capitalista.

Era o fim do laissez-faire, tão defendido pelos economistas liberais. Laissez-faire é uma expressão francesa que significa deixa fazer, creditada ao economista francês Vincent de Gournay, onde a economia tende naturalmente ao equilíbrio e o mercado utiliza eficientemente os recursos produtivos, sem qualquer intervenção governamental.

Keynes foi um dos ilustres membros do Bloomsbury Group e não lutou na Primeira Guerra Mundial ou na Segunda Guerra Mundial. As suas lutas foram nas batalhas econômicas, nos debates teóricos. No único parágrafo do Capítulo 1, Keynes (1983, p. 15) expôs: “Denominei este livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, dando especial ênfase ao termo geral. O objetivo deste título é contrastar a natureza de meus argumentos e conclusões com os da teoria clássica, na qual me formei, que domina o pensamento econômico, tanto prático quanto teórico, dos meios acadêmicos e dirigentes desta geração, tal como vem acontecendo nos últimos cem anos”.

A Lei de Say foi criticada também por Malthus em sua obra Princípios de Economia Política, de 1820. Porém, em 1936, Keynes (1983, p. 25) rejeitou e derrubou a Lei de Say para sempre, “Desde o tempo de Say e de Ricardo os economistas clássicos têm ensinado que a oferta cria sua própria procura; isto significa de modo expressivo, mas não claramente definido, que o total dos custos de produção deve ser gasto por completo, direta ou indiretamente, na compra do produto”. Keynes brilhantemente refutou um pensamento clássico e provou que Malthus estava certo, e Ricardo errado.

Keynes não era um defensor do pensamento econômico do alemão Karl Marx (1818-1883), o maior economista do século XIX. Vale ressaltar que ele leu O Capital, de 1867, mas era veemente contrário à economia socialista. Ele defendia o sistema capitalista, porém, acreditava que deveria haver ações de controle por parte do Estado numa crise econômica, todavia, sairá dos controles centrais, quando a crise acabar. Segundo Keynes (1983, p. 256), “(…) não se vê nenhuma razão evidente que justifique um Socialismo do Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da nação”.

A Crise de 1929 começou nos Estados Unidos da América (EUA), atravessou o Oceano Atlântico, e chegou na Inglaterra, França, Alemanha, Itália e provocou a pior crise do capitalismo, com o aumento assustador do desemprego e a brutal queda da atividade econômica. A União Soviética não foi atingida pela Crise de 1929, mas, o Brasil, sim.

O Prof. Keynes (1983, p. 34) argumentava que, “Na economia ricardiana, que serve de base ao que nos vem sendo ensinado há mais de um século, a ideia de que podemos pôr de lado, sem outras cogitações, a função da demanda agregada é fundamental. Malthus, na verdade, se opôs com veemência à doutrina de Ricardo de que era impossível uma insuficiência da demanda efetiva, porém em vão”. Keynes apresentou as bases de uma economia monetária da produção, onde os gastos criam as rendas. Os empresários podem produzir bens de consumo e bens de investimento numa economia aberta.

Keynes afirmou que a situação de equilíbrio macroeconômico não garante o pleno emprego, cabendo ao Estado estimular a demanda agregada com políticas fiscais anticíclicas. Segundo os economistas Dornbusch e Fischer (1991, p. 78), “A demanda agregada é o volume total de bens demandados na economia”. Keynes identifica que o desemprego involuntário se traduz por insuficiência na demanda agregada, isto é, uma inundação de bens sem consumidores. Para aumentar a demanda agregada a curto prazo e combater o desemprego é necessário estimular o consumo das famílias, baixando os impostos, estimular o investimento das empresas, baixando a taxa de juros, estimular os gastos públicos, com mais obras públicas, além de estimular as exportações por desvalorização cambial, o que corresponde a um aumento na taxa de câmbio.

Não há desemprego involuntário na teoria clássica, a economia funciona a nível de pleno emprego e o desemprego é o resultado da recusa dos trabalhadores de trabalharem pelo salário vigente, ou seja, desemprego voluntário. Keynes refutou os pensamentos de David Ricardo, John Stuart Mill, Alfred Marshall e Arthur Pigou, e concordou com a demanda efetiva na determinação do nível de emprego defendida por Thomas Malthus.

Keynes defendeu uma política fiscal expansionista, aumento dos gastos públicos e corte de impostos, para assegurar o volume de pleno emprego. Para Keynes, o Estado tem que estimular a economia quando os agentes privados se recusarem a fazê-lo a curto prazo. Ele não previu o great crash da Bolsa de Valores de Nova York em 1929 nem a Grande Depressão dos anos 30. Ele estudou muito, com afinco o cenário econômico e percebeu que a economia pode afundar, em seguida, não flutuar de volta automaticamente.

Keynes defendia a queda da taxa de juros para alimentar os “espíritos animais” (animal spirits), ou seja, o otimismo humano, que influenciam o comportamento e a confiança do empresário para investir na produção de bens ou serviços . A falta de confiança do consumidor afeta o consumo, já do empresário contagia o investimento. Logo, precisamos despertar a confiança, um impulso espontâneo para a ação, ao invés da inação. Sim, os estímulos fiscais e monetários são fundamentais durante uma crise econômica, assim podemos recuperar a economia a curto prazo.

Ao longo de 85 anos, o fantasma keynesiano (leia-se desemprego involuntário) ainda perturba os(as) trabalhadores(ras) urbanos(as) e rurais nos cinco continentes. Atualmente, a pandemia da COVID-19 aumentou o desemprego, cresceu a concentração da riqueza global e o empobrecimento é crescente ao redor do mundo. Hoje, lendo de novo, A Teoria Geral, podemos compreender melhor os rumos do capitalismo, que sabe produzir, mas não sabe distribuir riquezas nem rendas igualmente.

No Capítulo 24, da Teoria Geral, Keynes (1983, p. 253) enfatizou que, “Os principais defeitos da sociedade econômica em que vivemos são a sua incapacidade para proporcionar o pleno emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da riqueza e das rendas”. Em 21 de abril de 1946, Keynes morreu aos 62 anos, em Tilton, East Sussex, na Inglaterra. Keynes sobreviveu aos bombardeios nazistas a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, mas não resistiu ao ataque cardíaco que sofreu em sua casa, conforme os principais biógrafos Roy Harrod, Donald Moggridge e Robert Skidelsky.

Em 1971, o então presidente dos EUA, Richard Nixon, disse, “somos todos keynesianos agora”. A forte intervenção do Estado na economia americana já aconteceu três vezes não consecutivas. Primeiro, com o New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt, em 1933, em plena Great Depression. Segundo, com o presidente Barack Obama, em 2009, com maiores injeções de dólares para recuperar a economia diante da Great Recession. Terceiro, em 2021, com o presidente Joe Biden, com gastos públicos previstos de US$ 2,3 trilhões para melhorar o nível de emprego dos fatores de produção em pleno Great Lockdown, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Deveríamos ler mais a obra-prima de Keynes (1983, p. 259), escrita há 85 anos, porque “(…) as ideias dos economistas e dos filósofos políticos, estejam elas certas ou erradas, têm mais importância do que geralmente se percebe. De fato, o mundo é governado por pouco mais do que isso. Os homens objetivos que se julgam livres de qualquer influência intelectual são, em geral, escravos de algum economista defunto”. Já transcorridos 75 anos da morte de Keynes, hoje, com a Crise da COVID-19, temos muito que aprender sobre o desemprego e a desigualdade no capitalismo, o lado real e financeiro da economia num país capitalista, com o maior economista do século XX, porque “no longo prazo todos estaremos mortos”.

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