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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

O câmera Ozildo

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publicado em 06/04/2021 às 07h41
atualizado em 06/04/2021 às 05h41

Perdemos nosso câmera, Ozildo Paulino (da Comunicação do TJPB) Lutava contra a Covid. Era um irmão da terra.
Ozildo partiu completamente só, na nudez do sábado passado, impetuosamente anunciado. Bateu aqui em mim.
Trabalhamos muitos anos juntos, até que veio a pandemia e nos separamos. Era impressionante quando Ozildo chegava e ia nos cumprimentar um a um, o aperto de mãos ou abraços.

A equipe era formada por Ednaldo Araújo, as Gabrielas, Parente e Guedes, Fernando Patriota, Marcus Vinicius, Gilberto Lopes, Lila Santos, Cristiane Rodrigues, Lenilosn Guedes, Ronaldo, Clélia Barbosa, Celina Modesto, Dani Lins, Pedro Dantas, Wolfgang Ramos, Claudinha Gonzaga, Socorro Sales, o K e Martinho Sampaio. E tinha Francisca, que fazia o café. Perdemos Ozildo.

Zarpamos para o trabalho home office.

No começo, tínhamos poucas notícias um do outro.
Saímos um a um, sem despedidas.

Esperávamos voltar logo, alguns meses pelo menos. Mas a pandemia ainda é a barreira da guerra.

Despojado de referências, despido de vaidades, sem parentes importantes, Ozildo tinha lá sua euforia. Conseguiu ser eterno por trás da câmera.
O anuncio da sua morte não foi nem será suficiente para que possamos nos imaginar sem ele. Certamente haveremos de voltar para o trabalho presencial e aí já não o encontremos, com a câmera na mão.

Em nome de Deus, Ozildo existiu.

Ozildo conseguiu em vida se vestir do seu personagem: homem de muita fé. Disse-me que que havia morado no Rio, que o Rio de Janeiro era lindo, mas que não era nada fácil a vida lá.
Parecia um homem que nunca tinha saído do seu jardim, daqueles que até o poeta Drummond gostaria de ter conhecido. Trabalhava dia e noite, noite e dia. Parecia um lenhador. Filmava os eventos e editava as cenas.

Talvez a verdadeira imagem de Ozildo só seja possível na invisibilidade da vida.

Ozildo perdeu a guerra. Parece que estou a falar de uma terceira pessoa e fica a sensação de não ter aproveitado mais, não ter escutado mais. Ele falava muito. Garimpava ouvidos.
Embora tenho guardado essa memória, a que se junta a súbita consciência de que a memória não nos pertence. Ozildo transcendeu!
O tempo passado assemelha-se a uma coisa vivida, da qual se encontram espalhados vestígios, sonhos, lembranças dos aniversários, todos bonitos na foto, cenas que nos transformavam em pessoas alegres e divertidas, mas sempre em seres incompletos. É o que somos, incompletos, fica sempre faltando um pedaço.
Ozildo deixou a redação do TJPB, de um grupo que trabalhava unido, textos, imagens, fotografias, solenidades, pequenos desafetos, logo restabelecidos, quando íamos para a copa, almoçar ou lanchar.
A linguagem da sua câmera não sabemos falar. Não podemos pedir ao fotógrafo ou ao cinegrafista que nos conte o que eles estão vendo, se nossa alma, nossa timidez, nós seres mutantes. O silêncio tornou Ozildo intraduzível. Somos imperfeitos e persistentes.
Vai Ozildo, entra no outro mundo fora do mundo, você não precisa mais da câmera!

Kapetadas
1 – A dor se agiganta. Já perdemos tantos.
2 – O tempo é a matéria prima desse jogo.
3 – Som na caixa: “Viagem que ninguém descreveu”, Wagner Tiso e Milton Nascimento

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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