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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

O sabre na nossa carne

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publicado em 02/02/2021 às 06h10

Uma médica foi massacrada pelo tribunal supremo montado na rede internacional de computadores. Não a conheço. Nem sei qual a cidade em que vive. Duas coisas, no entanto, me chamaram a atenção. O massacre em si, com julgamentos sem nenhum conhecimento de causa, e as palavras do secretário de saúde, onde informa que a profissional estava afastada de suas funções devido a “burnout”, e que havia voltado, mesmo durante a licença, para atender na linha de frente, pacientes da catastrófica pandemia.

Vocês sabem o que é “burnout”? Vou explicar. Um complexo quadro psicológico, que acomete profissionais, e cujas causas do desenvolvimento da síndrome se liga, diretamente, à atividade de trabalho. Vem de burn + out ( algo, numa tradução livre, como queimado). Ou seja, esgotamento. Descrito pela primeira vez em 1974; e, depois, caracterizado por Christina Maslach, como uma síndrome ( um complexo de sinais e sintomas) , que se caracterizaria por três características: exaustão emocional, despersonalização ou cinismo e baixa realização profissional. Tudo isso no contexto do exercício profissional. Essas mesmas condições, em outro contexto, familiar ou social, não caracteriza “burnout”.

Descrita a síndrome, tem que se acrescentar que ele ocorre, exatamente, por estresse continuado, sobrecarga, conflitos, no caso de um profissional de saúde, em quem primeiro foi descrita. No caso da médica, a linha de frente, como estão chamando os dedicados profissionais.

Aos julgadores de plantão, sugiro experimentar um pouco, o que tem experimentado os trabalhadores da saúde. Vá para o front. Atenda a pacientes em sofrimento terminal. Veja dezenas deles morrerem sob seus cuidados. Corra atrás de um tudo de oxigênio para ajudar um deles a respirar, e escute que não tem mais leito de UTI, que o oxigênio acabou. Veja pessoas morrendo sob seus olhos , sem respirarem, e vivencie a desgraça de não poder fazer nada para salvar.

Quando você vivenciar tudo isso por um ano, venha me contar de sua saúde mental. Só lembrando que a síndrome, além da exaustão que provoca ( uma espécie de vivência depressiva profunda), também faz o sujeito sentir que desempenha mal sua profissão. E mais: muda seu caráter. Por isso, fala-se em despersonalização ou cinismo. Sabe o que isso quer dizer? Que o profissional vai tratar pacientes, clientes, alunos, ou colegas de forma distante, insensível ou cínica.

Essa médica pode ser uma pessoa humaníssima. Mas fez uma postagem tipo: – duas intubações eu não mereço. A terceira, vou pedir música no fantástico ( algo assim). Portanto, vamos baixar a bola, acabar com essa auto enganação de que somos juízes implacáveis. Impecáveis. Que somos maravilhosos e os outros antiéticos, sem compostura, desumanos. A ironia da médica faz parte do seu complexo quadro mental de “burnout”, em momento de sofrimento mental intenso. E quem atende em catástrofes, precisa dissociar emoção e razão, senão paralisa literalmente. E você não tem o direito de paralisar.

Vai lá primeiro. Que tal se só julgarmos aquilo ou aquele a quem conhecermos: atos, causas e consequências? Está ficando exaustivo o modo que se trata os outros. Enjoa-me e me causa ‘“burnout” esses tribunais supremos. Exaustão de tanto ler coisas sem sentido, nem fundamento. E sem nenhuma sensibilidade. Muita atenção, senhores “juízes”. Amanhã, o sabre da intolerância pode cortar na nossa carne.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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