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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

O sistema e a felicidade

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publicado em 04/12/2020 às 07h18

Você concorda que o tempo é o bicho glutão da vida, não é? É porque ele é paradoxal e tem dupla face. É caro para uns e muito barato para outros. Tempo livre, tempo aberto ao ócio para que se possa deleitar a vida dentro dos afazeres mais prazerosos, aqueles que aproximam as pessoas da felicidade, isso sim, é que seria vida em abundância. Esse tipo de tempo é privilégio de apenas um por cento da população mundial.

Pois, são poucos os donos dessa engrenagem muito bem azeitada para engolir o tempo da patuleia. Essa máquina que se diz neutra e necessária por natureza, chantageia a vida, dela exigindo para si dedicação plena, suor em excesso, horas e horas diárias de trabalho duro, mais um pouco nas andanças dentro de um transporte coletivo apinhado de gente, em cima de uma motocicleta ziguezagueando a morte feito cachorro louco, ou, faminto, numa bicicleta enferrujada entregando comida aos outros, mas supostamente feliz por estar tocando o seu empreendimento com galhardia, como dizem o que moram no patamar de cima. É preciso que seja assim. O trabalho dignifica o homem, diz o bicho com a boca escancarada cheia de dente de ouro, esperando a morte chegar. A dos outros.

Dentes de ouro, hoje, é brega. Esse tipo de gente ou coisa que alavanca as engrenagens do sistema mantém o ouro muito bem escondido, guardado em um fundo falso, mas que, artificialmente, dá cria a outros filhotes, que catapulta, em outro nível, a engrenagem, que dar cria a outros bezerros reluzentes, mas sem produzir, sequer, um grama de alguma coisa real. Ossos do ofício do capital financeiro.

É esse ouro e seus filhotes que andam velozmente nos labirintos da virtualidade quem come a felicidade das pessoas. Sim, esse bicho come o tempo e, em retribuição, com a cara mais deslavada do mundo, paga, pelo trabalho escravo, uma ninharia traduzida em um salário, um mínimo possível para não matar a galinha maltratada e maltrapilha que põe ovos de ouro enriquecedora do sistema. Ouro parido pelos escravos que irá para o maravilhoso mundo dos investimentos dos donos do planeta.

A recompensa do torpor que ilude as almas penadas é um farelo de notas, dinheiro pouco para que a escravidão se alongue desde cedo até a morte. E mais, o sistema arrota a petulância da prepotência em uma ameaça velada: Dê graças a Deus que tem trabalho.

Trabalho, trabalho… eles, os donos do grande capital são os quem menos trabalham, mas submetem países inteiros à sua gula, comendo-lhes pelas beiradas a soberania de cada um deles, expropriando o seu povo, matando-o e mandando-o para o inferno aqui na terra, mas com uma promessa de céu, se for bonzinho, reto, justo, cúmplice…

Dessa máquina tão anormal, tão aceita e paparicada por todos, sobretudo pelos escravos, seria de esperar um pouquinho de respeito à dignidade da pessoa humana, se humana fosse. Ledo engano. Essa caixa vazia de sentido – dignidade, humanidade, solidariedade – é apenas retórica. É ela quem justifica o salário mínimo, as esmolas dadas, tudo por força do remorso e da necessidade de harmonizar a alma do sistema com Deus. Sim, o sistema tem alma, que, aqui na terra, já estar no céu. A patuleia também acredita que tem, mas, pelo contrário, sente na carne minguante de vida que está em outro canto oposto, onde os dentes do cão trituram os ossos dela lentamente, a baba escorrendo pelos cantos da bocarra.

A patuleia (foto) é resistente. Tem fé de que após a morte, o reino celestial será aberto somente para ela – mil cascatas de onde correm leite e mel- e os donos do sistema, os não eleitos, continuarão sofrendo as dores do inferno, aqui na terra.

Mas há uma parte da patuleia que ficará em uma reserva especial das profundezas do inferno. São aqueles que serão sacrificados no ígneo fogo do purgatório a meio caminho entre a própria escravidão e o sonho pequeno burguês de que um dia serão recebidos pelos donos do sistema. A sina desses é pisar na cabeça dos miseráveis, descontando nos mais frágeis a virulência da sua própria mesquinhez, ou paparicar os privilegiados, pensando ser um deles. Classe média, um horror!

Alguém que acredita em papai Noel pode perguntar: mas onde está o Direito e sua Justiça? Ora, ora. O Direito é dos donos do sistema, feito por eles, feito para eles, interpretado por eles. Se não fosse assim, bastaria revogar todos os artigos das constituições, deixando apenas um: É assegurado a todos o direito efetivo à felicidade! Qual o que: Expressaram em uma longa pauta um extenso rol de direitos ineficazes, posto que a interpretação que lhes melhor parece é: Morram, infelizes!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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