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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

 Não consigo ser Louise Glück

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publicado em 13/10/2020 às 06h04

(Para Ângela Bezerra)

Eu estou dentro de um poema de Louise Glück (foto), na beleza da memória de suas palavras, tão antagônicas, tão agoniadas e verdadeiras. Foi a escritora Ângela Bezerra quem me mandou o poema “Confissão”. Li, reli e fiquei sem dormir. Acordei e vi as imagens do poema dentro da minha casa, no espaço solitário de um homem. Essa mulher, Louise Glück, que ganhou o prêmio Nobel de Literatura, pensa de uma maneira diferente e todo mundo pensa, que pensa, mas não pensa poesia.
Como pode escrever assim, a plantar um pé de Tamarindo na sombra de Augusto (dos Anjos), que ela nunca viu no espelho, do lado de fora do seu mundo, com a ideia de que pode sim, existir árvores frutíferas em suas palavras. (?)
O “xis” do problema é que Louise é não é todo mundo, nem reúne muitas pessoas, mas sabe que muitos ainda não estão prontos para usufruir de seus versos de forma sensata. Muitos arrancam palavras da vaidade, uma vaidade ainda verde, às vezes destruindo a si mesmos, e assim, poucas vezes conseguem colher algo frutífero da vida.
Em “Confissão”, a poeta americana Louise Glück, finca seu punhal docemente: “Dizer eu não sinto medo – Não seria honesto. Sinto medo da doença, da humilhação. Como todo mundo, tenho os meus sonhos. Mas aprendi a escondê-los, para me proteger da realização: toda felicidade atrai a fúria das Sinas. Elas são irmãs, selvagens – No final, não há Emoção, mas inveja.”
O que Louise quer dizer com Sinas? Sinais de outros quebrantos, figuras de linguagem, deuses gregos? Não sei. Algo que brotou, nasceu, cresceu para dentro de si e se encheu do mundo, no alcance da sua palavra? Louise me fez procurar, andar em círculo, sair do círculo, voltar a mim, pelas ruas remotas conversando comigo mesmo.
Há em seu pensamento a mesma paixão desapercebida para o mundo, que lhe fez ganhar o Nobel, já perto dos 80 anos, em meio às perguntas básicas quase idiotas (e o que é básico é ou não relativo), a questão: como pode você não ser ninguém? O tempo traz maravilhas, sabia?
A poesia de Louise foi feita para funcionar em mim, em poucos, não como um segundo plano, não o plano B, mas a tarefa de identificar as razões e suposições que estão conosco, vivem dentro de nós e que são nossas verdades. Na verdade, eu nem sabia que seu poema não tem resposta objetiva, tá na cara, mas eu fico dentro de sua “Confissão”.
Eu meto minha voz no mundo, onde não devo e se devo e acerto ou errando, não sei. E me encho de coisas pra fazer, até do que não me agrada, mas faço. Eu tenho dificuldades para ser igual às outras pessoas. Eu não consigo ser Louise, eu adoraria que a força do pensamento aumentasse minha resistência e fosse um exercício para me tirar de medos inexplicáveis.
Não sou alegre, nem triste, nem sou Cecília Meireles. Já não sei combinar o sapato com a camisa, se toda a minha maquiagem se resume a um lápis de olho no olho, dente por dente. Quero ser justo.
O mundo é cruel e eu priorizo meus amigos, sempre. Eu sou teimoso. Eu me arrisco e tenho dificuldades para me vestir de Louise. Não sou exatamente assim. Não é fácil ser Louise Glück. Se já fui bom nisso, não me lembro.

Kapetadas
1 – Eu durmo no Brasil e me acordo na Praça é Nossa. Será que é nossa, mesmo?
2 – Ora, se Maomé não vai até a montanha, ele faz um zoom ou um “zumzum” com ela.
3 – Som na caixa: “Esta água que um dia/ Por estranha ironia/ Tua sede matou”, Herivelto Martins

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