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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

El escudo de Nietzsche

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publicado em 22/08/2020 às 07h00
atualizado em 21/08/2020 às 16h07

O mundo me parece chato, tal qual um escudo no chão da garagem. Acorda, mundo! O mundo se espreguiça na nossa frente, como se não gostasse de ser ele mesmo o tempo todo. Assim são as criaturas. Nem todos andam com seus escudos. Alguns, sem máscaras e sem escudos.

Vamos imaginar que Assim Não Falava Zaratustra, um livro para todos e para ninguém. Quando era professor de filologia, em Basel (Suíça), Nietzsche pediu aos alunos que, nas férias, lessem com muita atenção o trecho da Odisseia em que é descrito o escudo de Aquiles. Quando retornassem, ele queria saber a opinião de cada um. O professor Friedrich Nietzsche, perguntou a um dos estudantes se ele havia lido o trecho e o aluno, bastante temeroso, respondeu que sim.

Nietzsche mesmo vendo que o aluno não tinha lido, pediu a ele que descrevesse o escudo. O garoto ficou em silencio e Nietzsche também. Alguns minutos depois, o tempo que se estimava necessário para que o escudo fosse descrito minuciosamente, nada. Nietzsche voltou à aula, dizendo: agora, depois de ouvirmos a descrição perfeita do escudo de Aquiles, podemos voltar à matéria de hoje. É dele a assertiva – “o que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte”.

Quem me contou isso? Em março de 1982, estive na cidade de Basel, a antiga Basiléia, e lá a dona da pensão, Uma Linda Mulher, que sabia muito de Nietzsche me contou várias histórias sobre seu escudo. Eu já sabia de Nietzsche, do tempo do DAC, antigo Departamento de Comunicação da UFPB. Vi um monologo sobre Nietzsche na Sala Preta, mas eu não escuto vozes. Outra mulher leu minha mão em Amsterdã e disse que a menina que roubava livros não cometeu nenhum crime. (parênteses) – a menina que foi estuprada pelo tio, terá outro nome. Muda alguma coisa?
Basiléia. A cidade é considerada a capital cultural da Suíça com cerca de 40 museus, teatros e galerias. Mas por que estou falando sobre Nietzsche, se tema é o escudo de Aquiles?

De repente, o celular me avisa que não tenho nenhum lembrete futuro, mas juro, gostaria que o futuro me mandasse notícias, sobre como ele terá sido passado, mas ai estou querendo demais. Ultimamente só tenho visto idiotas ao contrário, gente com os escudos dos outros. Na Cidade de Deus, ateus são pecadores. Festejam o nada.

Que o futuro indicasse o caminho para que todos chegassem ao seu escudo. Mas quando o futuro chegar, ele já passou. Que ele saísse do aviso do meu celular e ficasse lá, que eu já estrou de saco cheio, embora a vida seja seca e maravilhosa.

O escudo de Aquiles presente na Ilíada nos coloca diante de várias situações da vida, de justiça e conflito, cultivo ou ócio, mas consegue ser quase tão distante da imagem que foi sendo construída de Aquiles como a própria Ilíada é distante dos dez anos da Guerra de Tróia. Quem me disse isso? A história, o tempo, as aulas de Mitologia da professora Zarinha.

Pois esse tal escudo, (sei que o adorável Nietzsche foi muito longe), vai nos colocando nas cenas que nos indicam as razões de ser da guerra e das personagens. O que é mesmo o escudo de Aquiles? Uma vida longa, mas sem glória ou uma vida curta cheia de prazeres?

Olhando à distância de vários séculos, não é difícil antecipar que o escudo de Nietzsche é uma ampla evocação de feitos ou vitórias, mas a vida é real e de viés, como disse Caetano Veloso.

Às vezes prefiro o bardo judeu Spinoza e sua filosofia moderna. Até terça!

Kapetadas
1 – Ilustração – O desenho do escudo tal como interpretado por Angelo Monticelli, em Le Costume Ancien ou Moderne, c. 1820.
2 – O único problema insolúvel para Nietzsche foi como fazer para tomar sopa de feijão sem sujar o bigodão.
3 – Nietzsche. Ecce Homo num era fácil.
4 – Som na caixa: ‘Prefiro o poeta pálido anti-homem que ri e que chora, que lê Rimbaud, Verlaine, que é frágil e que te adora”, Thaís Gulin

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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