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Antônio Colaço Martins Filho é chanceler do Centro Universitário Fametro – UNIFAMETRO (CE). Diretor Executivo de Ensino do Centro Universitário UNIESP (PB). Doutor em Ciências Jurídicas Gerais pela Universidade do Minho – UMINHO (Portugal), Mestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal), Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Autor das obras: “Da Comissão Nacional da Verdade: incidências epistemiológicas”; “Direitos Sociais: uma década de justiciabilidade no STF”. E-mail: [email protected]

Metamorfose e simbiose na educação superior

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publicado em 17/08/2020 às 09h51

As salas de aula estão vazias. Os laboratórios, desguarnecidos de aprendizes. As clínicas universitárias descarnadas de praticantes e pacientes. Vazios e ociosos, os campi universitários e suas instalações de atendimento à comunidade contrastam com o contexto pré-pandêmico, em que as Instituições de Ensino Superior – IES’s disponibilizavam uma grande quantidade de imóveis e equipamentos para atividades de cunhos teórico e prático.

As Diretrizes Nacionais dos Cursos de Graduação estipulam uma plêiade de competências profissionais a serem assimiladas pelos discentes. O mercado de trabalho também tem a expectativa de que os portadores de diploma superior tenham a capacidade de se auto organizar para articular e concretizar conhecimentos e habilidades necessários para resolver problemas, respeitando os valores da sociedade e da corporação em que se inserem. O que se espera do processo de formação superior não é, portanto, a mera assimilação de técnicas e conhecimentos, mas a transformação do aluno no nível atitudinal.

Durante o primeiro semestre, as IES’s enfrentaram o desafio de propiciar a metamorfose acima mencionada num contexto de distanciamento físico entre mestres e aprendizes. A proibição de momentos presenciais – que se estende até o presente momento – dificultou sobremaneira a introjeção de regras e valores e a mudança atitudinal do aluno, aspectos subjacentes à educação por competências, haja vista que a maioria dos currículos foram concebidos tendo a presencialidade como premissa metodológica.

As disciplinas teóricas predominam nos cursos de graduação. Durante o primeiro semestre de 2020, elas foram integralmente (ou quase integralmente) ministradas a distância. Não se sabe, até o presente momento, por quanto tempo hão de se manter medidas de distanciamento social. Nesse novo contexto de distanciamento social, a seguinte questão se impõe ao gestor educacional: que atividades são absolutamente imprescindíveis para propiciar a transformação preconizada pelo desenvolvimento das competências?

À luz do distanciamento social e da experiência educacional de 2020.1, constatamos que a infraestrutura dedicada, antes da pandemia, à educação superior tende a ficar ociosa. Muitas são as vozes que apontam que essa ociosidade não será transitória e, portanto, que a ocupação de tais espaços – notadamente daqueles dedicados exclusivamente a atividades teóricas – nunca voltará a patamares pré-pandêmicos. Essa tendência não está associada apenas à proibição de aglomerações, mas, sobretudo, à assimilação de novos costumes, ao avanço tecnológico e metodológico e à crise econômica.

A familiaridade forçada que os atores educacionais tiveram que estabelecer com as tecnologias de educação remota apontam para uma quebra de concepções acerca da educação a distância. Aturdidos, em um primeiro momento, muitos professores receberam, posteriormente, formação para aplicação de metodologias e tecnologias adequadas ao ensino superior, o que vai permitir que o nível de desenvolvimento de competências se eleve.

O declínio econômico em escala mundial, por sua vez, tem duplo efeito. A um, torna a educação a distância (menos onerosa e menos dependente de infraestrutura física) mais atrativa àqueles mais afetados pela crise. Por outro lado, a crise tem o condão de fomentar a adoção de soluções criativas de redução de custos, o que pode se traduzir em menor gastos com infraestrutura (rescisão de contratos de locação, cancelamento de investimentos em novos campi etc).

Em um primeiro relance, as IES’s com infraestrutura já maturada teriam uma grande desvantagem em termos de custos em relação àquelas que têm atuação predominantemente a distância. Entendemos, contudo, que esse novo contexto apresenta oportunidades para as IES já estabelecidas. Mesmo antes da pandemia, muitas IES’s já foram bem-sucedidas em ocupar espaços e turnos ociosos.

A possível ociosidade das instalações educacionais pode abrir os olhos dos gestores das IES para a conveniência de hospedar, em caráter indeterminado, empresas e organizações sociais dentro das IES, com as finalidades de: aproximar o perfil do egresso das reais necessidades do mercado; aumentar a empregabilidade dos alunos; aprimorar a experiência educacional a partir de vivências de situações reais; desenvolver a pesquisa em torno da resolução de problemas atuais das empresas.

Em suma, a presencialidade, notadamente nos momentos em que o aluno tem que aprender uma complexa intervenção no mundo físico, com reflexos na saúde de terceiros, é fundamental para que o egresso tenha a capacidade de desenvolver atividades com autonomia e segurança. Contudo, a tendência de ociosidade da infraestrutura (realidade que muitas IES vão enfrentar), acentuada pelo distanciamento social, revela a oportunidade de aproximação física, gradual e cadenciada, entre as IES’s, empresas e outras organizações sociais. Entendemos que tal aproximação simbiótica, com necessários reflexos curriculares, tende a tornar as IES’s mais relevantes, do ponto de vista socioeconômico e, por conseguinte, revela-se um aspecto fundamental para a sobrevivência de algumas IES’s.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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