A clínica também oferece atividades para ex-pacientes e para familiares, “reforçando laços” e a continuidade do tratamento.
Em relação ao processo terapêutico, a reportagem não conseguiu conversar com nenhum dos pacientes. Durante a visita à clínica, no entanto, uma jovem acabava de ser internada – o que foi percebido por gritos e choro alto se espalhando pelo casarão.
Ao mesmo tempo, um rapaz de 17 anos tocava piano e um pequeno grupo se reunia numa das varandas para tomar café da manhã.
A reportagem pergunta sobre eventuais sinais de abstinência da internet durante o tratamento.
“Há um nível de desconforto no começo, como aconteceria com qualquer um em uma situação nova, mas nós temos tanto apoio nesse lugar que usamos isso como informação para sermos capazes de ajudá-los: ‘Por que você não me diz por que isso é desconfortável?’. Usamos essas respostas como informação terapêutica”, diz Kovac.
A diretora diz que a internação funciona como um botão de “reset” (ou reinício, reconfiguração) nas mentes dos pacientes.
“Depois que eles se desconectarem, vão voltar a acessar Facebook, Instagram, Twitter ou que seja de novo?”, pergunta Kovac, quando questionada sobre os objetivos do tratamento.
“Bem, provavelmente. Mas, se eles estão aqui, um local que afeta as suas vidas, nossa expectativa é que se desconectem por tempo suficiente para que, quando voltarem para casa, estejam prontos para estabelecer limites para si mesmos e para suas famílias também.”
Ela conta que a reação dos jovens ao se verem sem os celulares pode surpreender.
“Há pais que dizem que os filhos vão gritar quando os telefones forem tirados. Mas, em muitos casos, é uma surpresa agradável. Eles dizem “Ok”. Muitas vezes os pais querem mudanças, mas os filhos também querem. Então vejo que nestes casos eles estão prontos para dizer ‘Ok, é estranho, esquisito para mim, mas vou deixar meu telefone com minha mãe e talvez buscá-lo de novo quando eu sair’.”
Antes de deixar o local, entretanto, os jovens são levados a encarar uma rotina que combina conforto e muito trabalho.
O dia na clínica começa às 7h, quando todos acordam para tomar café da manhã reunidos. “Isso já pode ser um pouco diferente do que esses jovens estão acostumados em casa”, diz a diretora.
“Se houver medicações (prescritas pelos médicos particulares dos pacientes), nós damos as medicações neste horário”, continua Kovac. “Começamos o dia de maneira positiva, comendo um café da manhã bom e balanceado, e depois fazemos um trabalho em grupo, de suporte mútuo, conduzido pela nossa equipe.
Na sequência, os jovens fazem aulas de reforço escolar (“as escolas podem mandar os conteúdos que querem que sejam trabalhados, para que eles possam continuar estudando enquanto estão aqui”), depois almoçam e se dividem em diferentes grupos de trabalho.
“Eles podem trabalhar habilidades de enfrentamento de problemas, colaboração, comunicação, limites ou terapia artística e musical. Também há atividades recreativas, que podem ser fazer ginastica, escalada, ir à praia… fazer o sangue circular e talvez pegar um pouco de sol”, diz a diretora.
O jantar é o momento para uma discussão em grupo sobre o dia, metas pessoais e expectativas para a manhã seguinte.
“Depois quebramos para atividades noturnas mais ligadas ao relaxamento, que podem ser ioga, acupuntura, meditações. E passamos documentários, às vezes.”
Para a diretora, empresas como Facebook, Twitter e Snapchat “certamente sabem o que estão fazendo para que, não apenas crianças, mas pessoas em geral, fiquem presas a certas coisas, com certos algoritmos para certos propósitos”.
Ela pede mais atenção aos CEOs. “Não tenho a resposta de como eles podem fazer isso, mas é preciso ter atenção com o que está acontecendo com a sociedade em geral. As pessoas estão conectadas demais a seus telefones e a internet.”
Há menos de um mês, mais de cem especialistas e organizações internacionais de saúde infantil pediram ao Facebook que dê fim a seu recém-lançado aplicativo de mensagens voltado a crianças com menos de 13 anos, o Messenger Kids.
Em carta aberta a Mark Zuckerberg, o grupo classificou o aplicativo como iniciativa “irresponsável” que visa estimular crianças pequenas – que não teriam maturidade para ter contas em redes sociais – a usar o Facebook.
O Messenger Kids foi anunciado em dezembro como uma “solução divertida e segura” para que crianças conversem, via vídeo ou chat, com amigos e familiares. É uma versão simplificada do Messenger, que no entanto exige consentimento parental antes do uso e cujos dados gerados não são usados para publicidade dirigida.
Em resposta à carta aberta, o Facebook afirmou que “desde o lançamento, em dezembro, temos escutado de pais ao redor dos EUA que o Messenger Kids os ajuda a manter contato com seus filhos e que seus filhos mantenham contato com familiares, perto ou longe. Soubemos, por exemplo, que pais que trabalham à noite agora podem contar histórias de ninar para seus filhos; que mães em viagens profissionais estão tendo atualizações diárias de seus filhos enquanto estão longe”.
Mas a carta aberta questiona a necessidade de o Facebook oferecer esse serviço. “As crianças podem usar as contas dos pais no Facebook ou no Skype. Eles também podem simplesmente telefonar.”
Os autores finalizam a carta apontando que “seria melhor deixar as crianças pequenas em paz para que se desenvolvam sem as pressões derivadas do uso das redes sociais. A criação de crianças na era digital já é difícil o bastante. Pedimos que vocês não usem os enormes alcance e influência do Facebook para tornar esse trabalho ainda mais difícil”.
Enquanto a controvérsia não chega a um ponto final, o Facebook mantém suas ferramentas polêmicas ao alcance de crianças e adolescentes, e a clínica milionária para viciados em internet continua cheia de clientes em San Francisco – mas só os que têm pais ou responsáveis que podem pagar caro por isso.
G1