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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Dudé, vida mínima!

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publicado em 05/04/2022 às 07h00
atualizado em 05/04/2022 às 07h26

 (Para Vítor e Francis)

Nunca pensei em escrever esse texto. Essa dor apareceu no sábado passado.

Em 2018, um ano feliz das nossas vidas, eu trouxe o gato Dudé ainda bebê, para morar conosco. Lembro que na travessia, ele tremia a minúscula língua vermelhinha dentro do carro. Eu acelerava para que chegássemos o mais rápido possível/impossível.  Uma mulher do Mercado Central que me deu.

Já tínhamos Tica, que minha mulher achou na rua. Dudé veio completar a composição dessa história com os gatos, que já estava perdida entre nós.

Dudé cresceu e ficou a criatura mais bonita. Parece uma história tão antiga, como está na canção do pernambucano, Zé Manuel.

Antes de viajar para Belo Horizonte, resolvi interná-lo na Clínica Cão Belo, sobe cuidados do doutor Mário Sérgio. Eu sabia que ele não estava bem, tinha febre, não queria comer. Eu sabia que ele melhoraria e, segunda-feira, iria buscá-lo para sua casa.

“O anoitecer é por toda a parte um grande serviço” disse Ferreira Gullar, e essa sensação tomou conta de mim, dia e noite, até que percebi que nos tornamos distantes.

Todos os dias, ele melhorava e depois veio o silêncio e eu, um ex-covarde, me encantava com as ruas e olhares da gente de Belo Horizonte, uma cidade linda e ao mesmo tempo, de uma gente tão hospitaleira, que nós, que temos esse carimbo, que vem da música “Meu Sublime Torrão”, de Genival Macedo e que nos coloca no espelho, como Paraíba hospitaleira, mas BH não fica atrás. 1×1

Em Dudé tudo era rio, seu olhar refletia nos meus olhos, nos olhos de Francis, no olhar de Vitor, que chorou comigo ao telefone.

Uma mensagem no Zap dizia que ele tinha vindo a óbito e eu não entendia, me sentia isolado, nas sombras das árvores de BH, que me davam vidas.

Puxa vida Dudé, onde estavam suas 7 vidas?

Admirado demais, um gato enorme, sentidos que calibram a vida deles, a vida autônoma, suspensa, florescendo como a imagem bela sobre a réstia da varanda. Seu andar lento, sem desfeitos, elegante.

Às vezes se escondia entre as flores do jardim e parecia a extensão delas, e embora fosse um negro gato de arrepiar, por onde passava deixava seu silêncio aceso. Só faltava falar.

Eu não quero mais sofrer com vidas perdidas que não me retomam ao prumo. Eu amava Dudé, não era um gato de braço, na dele. Até ganhou um quadro (foto) que a artista plástica paraibana Rogéria Gaudêncio pintou.  Já podia se sentir imortal…

Vou guardar dele, o que a boca cala, o equilíbrio, o soninho de todas as horas no mais belo impulso, com as patas coladas no chão, pedindo comida sem miar.

Cada ser é lembrado do ponto onde estava. Ele ficou por aqui, em toda parte da casa, seu território.

Os dias me parecem que ainda serão quentes e eu sigo nesse clarão da estrada.

Kapetadas

1 – Propriedade privada. Nunca um adjetivo qualificou tão bem um substantivo.

2- Quando acabar essa guerra, um dos defuntos, como certeza, será a empatia.

3 – Som na caixa: “Tanto vazio por todo lugar/Tanto silêncio sinto ao chegar/Ao nosso território de brincar”, da canção Diana, que Toninho Horta escreveu, quando sua cachorra Diana morreu.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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