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Mailson da Nóbrega

“Já passou a época de ter empresa estatal no Brasil”

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publicado em 20/06/2021 às 08h12
atualizado em 20/06/2021 às 12h49

Em entrevista ao programa Hora H, apresentado pelos jornalistas Heron Cid e Walison Bezerra, na Rede Mais Rádios, o ex-ministro da Fazenda e economista paraibano, Mailson da Nóbrega, defendeu as privatizações como medidas que contribuirão para o crescimento da economia brasileira.

Em sua explanação, Mailson da Nóbrega, disse que o país precisa de líderes que consigam convencer a sociedade de que as privatizações são necessárias e que “já passou o tempo do Brasil ter empresa estatal”.

Ainda durante a entrevista, ele comentou recentes pesquisas que apontam para o crescimento do desemprego no país.

Hora H – Ministro, os últimos dados de uma pesquisa do IBGE mostram que comparando o primeiro trimestre de 2021 com o de 2020 houve uma deterioração ainda maior do nosso mercado de trabalho. O problema do desemprego. É só a pandemia ou a pandemia agravou?

Maílson da Nóbrega – A pandemia agravou, mas o Brasil já padece de problemas estruturais em seu mercado de trabalho, que resulta de uma elevada informalidade. Baixa produtividade do trabalho e que a Covid-19 veio apenas a agravar. Agora, o fenômeno na verdade tem um engano estatístico. Na realidade, está aumentando o número de empregos este ano. Está constatado no primeiro trimestre. O que houve foi um aumento na taxa de desemprego, que é outra coisa. Por que a taxa de desemprego aumenta? Com a taxa de arrefecimento da gravidade da pandemia as pessoas se sentem encorajadas a abandonar o isolamento social e procurar emprego. E, com isso, pessoas que estavam fora da população economicamente ativa se incorporam a esse grupo. E como a população economicamente ativa aumenta, existe uma fração, cujo numerador são as pessoas procurando emprego e o denominador é a população economicamente ativa. Se essa população economicamente ativa cresce mais rapidamente do que a oferta de emprego, nesse caso, a taxa de desemprego aumenta. O aumento da oferta de emprego não é suficiente para absorver o contingente dos trabalhadores que estão procurando posto de trabalho

Hora H – Qual o caminho ideal na opinião do senhor?

Maílson da Nóbrega – É adotar as medidas para o Brasil voltar a crescer de maneira mais sustentável. Mas isso não se faz da noite para o dia. Nem é tarefa que possa ser feita com nenhuma medida tópica. Isso exige uma série de mudanças estruturais para aumentar a eficiência e a produtividade da economia. Porque é a produtividade a principal causa de geração de renda, emprego, salário e de desenvolvimento. Mas essas medidas são muitos difíceis de aprovar. Isso exige uma  reforma tributária para por fim ao caos que representa a tributação do consumo no Brasil e, como estamos vendo a discussão no  Congresso, é muito difícil avançar uma reforma administrativa. É muito difícil avançar diante das pressões corporativistas,  e é preciso avançar nas privatizações para impor um ritmo melhor e eficiência à economia brasileira.  No curto prazo, é o que o governo está fazendo. Segurar o gasto, evitar a ruptura do teto de gasto, o Banco Central aumentando juros para se contrapor a ameaça de uma crise infracionária e assim por diante.

Hora H – O senhor fala em privatização como um dos caminhos estruturais. Nós vivemos em um Brasil que a palavra privatização para muitos, sobretudo dos setores políticos, é quase um palavrão. Como enfrentar essas questões de ordem econômica prática com toda uma retórica política?

Maílson da Nóbrega  – Não é só na parte política não. A sociedade brasileira não compra essa tese. A Pesquisa do Datafolha mostra que 69% dos brasileiros são contra as privatizações. E é isso que explica de certa forma a situação brasileira. O Brasil cresce pouco nos últimos anos não é por outra razão. Chegamos ao ponto que a sustentação de um nível mais elevado de crescimento, da economia, do emprego, depende de mudar essa mentalidade. Depende de enfrentar essa consequência da irresponsabilidade fiscal da Constituição de 1988 que aumentou os gastos públicos em nível incompatível com a realidade brasileira. E como fazer isso? Nós vamos precisar de líderes políticos com capacidade de convencer a sociedade. Com exemplos claros e convincentes que já passou a época de ter empresa estatal no Brasil. As empresas estatais se justificaram em uma época do Brasil. Isso aconteceu na Europa também no século XIX quando os países europeus identificaram que a Inglaterra se modernizava, vivia a revolução industrial. Era preciso acompanhar, mas eles não tinham as condições e aí surgiram várias empresas estatais na área de ferrovia, bancos, siderurgia e assim por diante. Isso significa suprir uma falha de mercado onde não havia capital e capacidade empresarial que levaram a Inglaterra à riqueza. O Estado exerceu esse papel e depois que o setor adquiriu condições para cumprir essas funções saíram as privatizações do século XX na Europa. O Japão também fez isso no Século XIX e, no final do mesmo século, começou a privatizar. A privatização não é uma condição ideológica, de ser contra o Estado. É uma questão prática, ou seja, o setor privado tem mais condições de exercer certas atividades que o governo. O governo tem suas limitações, restrições orçamentária, políticas. Mas é uma coisa que a gente não consegue entender no Brasil. Como é que muda isso? Isso é uma tarefa de lideres. Líderes transformadores, com capacidade de transmitir essa mensagem, de convencer essas pessoas dos caminhos mais adequados. Infelizmente nós não temos isso no Brasil de hoje. Nós temos um líder, que é o presidente Jair Bolsonaro, que é contra a privatização. Ele é da vertente corporativista que é contra a privatização do Banco do Brasil, da Petrobras, da Caixa Econômica e não há nenhuma razão de natureza estratégica, econômica, administrativa para essas instituições continuarem nas mãos do governo. O Banco do Brasil será muito mais importante, muito mais forte, se ele deixar as amarras do Estado, se ele for privatizado. Eu digo isso na condição de um ex-funcionário do Banco do Brasil. Agora, quem vai enfrentar a sociedade brasileira para convencê-la que o Banco do Brasil e melhor privado que público, sinceramente eu não vejo ninguém com essas condições no Brasil. Significa que vai continuar penando, pagando o preço de ter sede em Brasília, quando sede de banco é em São Paulo. É assim em todo mundo. Se você olhar, na Alemanha, os bancos estão sediados em Frankfurt, na Inglaterra, em Londres, na França, em Paris, nos Estados Unidos, em Nova Iorque ou em São Francisco e Los Angeles. Existe uma tendência natural de concentração dos bancos em certas praças, em certas cidades. No Brasil, banco é São Paulo. Isso significa que nós vamos ainda patinar muitos anos até que rompamos as amarras que inibem o Brasil de voltar a crescer de forma mais intensa. Enquanto isso, vamos  patinando com essa mediocridade que tem caracterizado a economia brasileira nos últimos 20 anos.

Hora H – Essa visão sobre privatizações ela inclui todas as estatais ou algumas são estratégicas?

Maílson da Nóbrega  – Não! Essa ideia de estratégica é equivocada. Isso é conversa para boi dormir. Estratégico é educação. Estatal foi estratégico há 50 ou 60 anos atrás. Não mais. É de uma época. Estou vendo nessa questão da Eletrobrás protesto contra a medida dizendo que estavam privatizando os rios. Meu Deus do céu. Privatizando os rios significa que Canoas e Barcaça têm que ser estatal porque vão passar pelos rios. A cegueira é tão grande que esse tipo de visão é capaz dizer tanta bobagem como essa. Seja na questão estratégica que muita gente acredita de boa fé nisso, seja tolice que a privatização da Eletrobras significa privatizar os rios.

Hora H – Não dá para privatizar uma Petrobras totalmente?

Maílson da Nóbrega – Claro que dá. O problema é o modelo de privatização. Terá que ser bem estudado. Não pode trocar o monopólio estatal por outro privado. Mas o Brasil tem empresas e empresários com capacidade de participar da privatização da Petrobras. E ela seria uma empresa muito mais produtiva. Geradora de mais tributos. Isso significa maior capacidade do Estado de investir e conduzir programas sociais, de amparar os menos favorecidos, de combater a pobreza. Essa ligação as pessoas têm dificuldade de fazer. Se o país cresce mais porque as estatais se privatizam o Estado pode ser mais generoso com o Nordeste, por exemplo. Investir mais na região. Reduzir as desigualdades sociais. Essa ligação é mais difícil de fazer?

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