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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Dois cenários para uma paixão

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publicado em 06/05/2024 às 14h59

 

 

Cenário 1

Do Portão da Traição, uma das entradas/saídas do Jardim Botânico, J. vislumbrou o local exato para deixar a sua mensagem: a parede dos fundos dos Institutos de Química e Física, da Universidade de Coimbra. Esperou a noite cair, para lá se dirigiu e escreveu – AINDA TE AMO, em letras garrafais, vermelhas, que pareciam escritas com a tinta do coração, tendo, ao lado, o que parece ser um garrancho típico das assinaturas de pichação. Estava em desespero.

  1. sabia que M. passava sempre por ali, todos os dias. Certamente, veria a sua mensagem, que, aos olhos dos demais transeuntes, pareceria apenas mais uma pichação, dentre as tantas que cobrem as paredes das estreitas ladeiras e becos que levam à Baixa. Era, no entanto, uma mensagem com endereço certo. Sim, mensagem cifrada, mas M. saberia decifrá-la e, quem sabe, voltaria aos seus braços.

Só, do Portão da Traição, dia a dia, à espera de uma resposta de M., ainda que cifrada, J. olha o Mondego, cujas águas brilhavam ao sol, a lembrar o momento em que foram acrescidas pelas lágrimas de Pedro e Inês; lágrimas que fluem, sem parar, da Quinta das Lágrimas, ali perto….

Cenário 2

J., estudante de Química, concebe o amor, sem qualquer romantismo. Para J., o amor não passa de uma reação, em que descargas elétricas ativam um processo químico, fazendo o ser humano ir da paixão mais platônica à mais avassaladora; do desejo mais silencioso e contido ao mais tresloucado.

M., estuda Medicina, conhece bem anatomia e fisiologia, e sabe como se processa o calor que envolve as pessoas, diante do prenúncio da paixão, mas acredita que há um componente imponderável, misterioso, inefável, que, sem ele o amor não vai para diante.

O desencontro de concepção entre J. e M. levou-os à separação. Em desespero, J., brasileiro, escreveu a aflita mensagem – AINDA TE AMO –, na parede dos fundos dos institutos de Física e Química, na esperança de que M. a veja e a compreenda. O desespero é tão grande que J. esqueceu o fato de que M., sendo portuguesa, receberia melhor o recado se ele tivesse escrito AINDA AMO-TE… A paixão, no entanto, é quem comanda as suas ações e J. já não consegue mais raciocinar direito.

Movido apenas pela angústia, J., não contente com a situação, tenta uma última cartada: reproduz, ao lado de sua mensagem, um pedaço do seu mais recente eletrocardiograma, para dizer do estado lastimável em que se encontra o seu coração, àquela altura, em frangalhos. Quem sabe M. se deixa comover e reatam essa misteriosa química que os envolve.

Eis o que poderiam dizer dois grafites, numa parede, em Coimbra.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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