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Estava folheando o instagram, por coincidência, aparece-me o chamado para a missa de 7a dia de uma jovem mãe bem sucedida, que partiu prematuramente, deixando um perfil de mais de 50 mil seguidores, uma família triste e enlutada.
De repente, veio a minha mente, o artigo escrito por Freud em 1915, publicado somente em 1917, que falava sobre “Luto e Melancolia”, redigido num momento de muitas dificuldades pessoais, em que o mesmo perdeu o irmão, o filho foi para guerra e a Alemanha perdia a I guerra mundial.
Nesse texto, Freu fala sobre o luto – como uma reação esperada a perda de uma pessoa querida. Para ele, embora o mundo fique pobre e vazio, a pessoa enlutada não perde o amor por si próprio. A pessoa perde, momentaneamente, o interesse pelo mundo externo. Perde a capacidade de escolher um novo objeto de efeição. Mas, com o tempo, há um trabalho em que o mundo externo, o desliga do objeto perdido e o recoloca de novo no rumo da afetividade.
Já na Melancolia, a pessoa tem a diminuição da auto estima. Passa a se sentir como um ser desprezível. Ela não sabe o que perdeu e passa a odiar a si própria. Ela perde o objeto de amor. Há uma auto punição, mas ela não sabe, de fato, o que perdeu. Pode ser uma pessoa, uma coisa, um sonho, um objetivo, uma correção de um erro do passado. Ela não consegue identificar quem perdeu ou o que ela perdeu. A lógica da melancolica é que a pessoa tem dificuldade de se desligar do objeto amado. O ser melancolico tenta tomar o lugar do objeto que se perdeu.
Essa melancolia não é apenas uma potencia que desestabiliza o circuito de afetos hegemonicos, que baseado no medo. É um instrumento metodologico suficiente para se pensar nos processos de ausência, perdas e ocultações, característicos da modernidade.
Quando transportada para o Estado, esta melancolia, sob qualquer ângulo de enfrentamento, seja pelo excesso de memória, seja pelo excesso de esquecimento, resulta na falta de reconciliação com o passado, marcando o desencontro com a utopia.
A possibilidade desse diálogo parece fundamental para se pensar na extensão da influência da melancolia sobre o direito e sobre a democracia, uma vez que ambos correspondem a uma transição permanente, jamais podem ser afirmados como projetos acabados.
Quando se fala na história do constitucionalismo brasileiro, há um excesso de memória em relação às tragédias e aos fracassos do passado e um excesso de esquecimento em relação às lutas por direitos e cidadania, numa dívida perpétua com os índios, negros e minorias, porque o processo histórico é atravessado por rupturas, perdas e promessas não realizadas e não cumpridas e, em muitos casos, até difícieis de se realizar.
A melancolia moderna não se limita à nostalgia individual, mas adquire uma dimensão estrutural: ela revela o sentimento de que algo essencial está sempre ausente, ou que aquilo que se apresenta como “presente” ou “realizado” é, no fundo, insuficiente.
Assim, os sujeitos modernos são moldados por uma experiência contínua de perda, de incompletude e de busca por uma totalidade que nunca se perfectibiliza.
A Constituição como Lei Maior, promete liberdade, igualdade e justiça por meio de normas fundamentais e direitos garantidos, mas também opera uma lógica de promessas. No entanto, esses ideais se perdem ou caem no vazio da incompletude, por compromissos, na sua grande maioria, ineficazes e inatingívis, que se perdem na prática — o que aprofunda a distância entre o texto constitucional e a realidade vivida, em um pranto nostálgico.
O resultado se revela em uma tensão permanente entre o ideal normativo do direito constitucional e sua efetivação concreta, numa espécie de melancolia constitucional que habita nas promessas não cumpridas pelo Estado Democrático de Direito.
Reconhecer a melancolia como parte constitutiva da experiência jurídica moderna pode ser, paradoxalmente, um passo importante para se repensar formas mais realistas, plurais e sensíveis de inclusão social das minorias em torno de uma cidadania constitucionalmente prometida.
Adriana Barreto Lossio de Souza
Juíza de direito titular da 9a Vara Cível de João Pessoa
Especialista em gestão jurisdicional de meio e fins
Especialista em direito digital
Mestranda
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BOLETIM DA REDAÇÃO - 22/07/2025