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Poeta, escritor e filósofo. Nasceu em Pombal no ano de 1961. Reside em João Pessoa

MESTRE VITALINO, A ARTE DO BARRO

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publicado em 05/05/2025 ás 07h35

Vitalino Pereira dos Santos, nasceu na cidade de Caruaru, Estado de Pernambuco, no dia 10 de julho de 1909 e faleceu na mesma cidade no dia 20 de janeiro de 1963, aos 53 anos de idade. Era filho de um lavrador e de uma artesã que fazia panelas de barros para vender na feira. Ainda criança, começou a modelar pequenos animais de seu repertório rural, como bois e cavalos, com as sobras do barro usado por sua mãe na produção de utensílios domésticos para serem vendidos na feira de Caruaru. Os primeiros bonecos que criava eram seus brinquedos, e o barro que mais tarde serviria de matéria prima para a sua arte, era retirado da margem do rio Ipojuca, local onde Vitalino brincava durante sua infância.

Filho de ceramistas, fabricantes de louça utilitária, em declarações prestadas ao sociólogo Renê Ribeiro, dizia o artesão que desde pequeno, gostava de fazer “louça de brincadeira.” Essa louça já comum nas feiras locais, era utilizada depois como adorno ou brinquedo das crianças pobres do interior, mas teve, sempre, finalidade funcional: mealheiros e paliteiros de matuto. Apresentavam as pequenas peças furos para uso como paliteiros ou fendas retangulares nos dorsos de boizinhos e outros animais, de figuras de aves, para serventia de mealheiros.

A louça lúdica foi, assim, a preferência de Vitalino. Quando menino e obrigado a ajudar os pais, ele desandava no fabrico de pequenas peças desse tipo: cachorrinhos, cavalinhos e outros. Essas não eram peças funcionais, propriamente. Ele as fazia como brinquedo e para brinquedo, mas numa imitação aos ceramistas do Nordeste em geral, que sempre fabricavam mealheiros e paliteiros de muito dentro de uma linha zoomórfica. Como tais peças lúdicas tinham aceitação e iam cada vez mais ganhando renome, concedeu-lhe o pai o direito de trabalhar nelas um dia, na semana, por conta própria.

Renê Ribeiro chegou a inventariar cerca de 118 representações de tipos populares feitas por Vitalino. Ele próprio diz ser a lista incompleta, porém o que se deve salientar é que muitas dessas criações resultaram de sugestões de clientes, fugindo, assim, àquela autenticidade exigida para a linha de arte popular. De qualquer maneira, cumpre ressaltar a grande versatilidade do ceramista de Caruaru na criação de tipos, encontrando-se, sob esse aspecto, a sua maior força de expressão artística. Referindo-se ao seu processo de criação, disse Vitalino certa vez: “fiz um bicho rombudo, das pernas grossas. O povo dizia – É um elefante! – Então, fica elefante!” Os seus bonecos, porém, nem eram únicos nem inimitáveis, como afirmou certo escritor num artigo intitulado, Cerâmica no Brasil e no mundo, Aristides Pileggi.

Sob o aspecto da composição, as peças não possuíam determinadas disposições de proteção para as figuras em grupos, dentro, aliás, de uma linha de conjuntos cerâmicos. Examinando-se as peças “Desafio de violeiros” pode-se verificar que cada figura foi feita isoladamente, inclusive o banco, e montada sem um apoio para a composição, técnica que ele só veio a obter, posteriormente, com a execução de grupos maiores como “volta do Roçado” e “Retirantes”.

Mesmo assim, a composição de certos trabalhos de Vitalino dá um sentido muito mais forte de escultura do que a de qualquer outro ceramista da região. Vitalino, a princípio, instintivamente, não chegava a minúcias, à imitação de cabelos, a colocar material estranho ao barro, em suas composições, Arames como cabo de enxada ou cipó à maneira de açoite ou de “peias”, como em figuras de Amaro Rodrigues e Zé Caboclo. Se algumas peças apresentam esses pormenores devem ser resultado de encomendas, de pedidos de clientes, também de uma emulação, na última fase, com esses outros ceramistas.

Aspectos de relevante importância ainda, e que denota a influência de Vitalino junto às camadas populares da Região, Santa Quitéria, em Garanhuns, ex-votos de barro de autoria do artista. O ex-voto é uma espécie de compensação mágica e fixação em peças representativas dos órgãos e partes do corpo atingidas pela doença e que são ofertadas depois em retribuição à graça obtida. Denominados pelo povo de milagres, esses ex-votos, na maioria das vezes, consistem na representação da cabeça, mesmo que a doença não tenha sido nesta parte do corpo. Sabe-se que a representação da pessoa através do retrato, da figura, é um meio de expressão e de reverência simbólica comum às culturas populares. A palavra figura, com implicações talvez religiosas, durante toda a Idade Média, foi usada dentro da terminologia aristotélica, neste sentido. Só depois dessa época, se começou a distinguir entre formas e figura, o segundo termo passando a designar antes “a disposição exterior dos corpos que são inanimados”.

Outro aspecto é que a princípio Vitalino não rubricava as suas produções, até que alguém, do Recife, lhe sugeriu que procedesse assim. Passou então a marcar as suas iniciais V.P.S., a lápis ou a tinta preta, na parte inferior das peças, começando, a partir de 1948 ou 1949, a gravar com carimbo o seu nome de batismo, Vitalino, nos conjuntos de maior importância.

Os bonecos eram, inicialmente, pintados com as tintas comuns à decoração de louça utilitária e solução de barro tauá polida depois a parte vermelha com o caroço da mucunã. Só mais tarde é que veio a empregar tintas a óleo.

Vitalino foi muito homenageado pelos poetas populares. Ivaldo Batista foi um deles:

Quem foi mestre Vitalino

Quero te apresentar

Foi o maior ceramista

Quem fez o barro falar

Gênio de Caruaru

Estrela desse Lugar.

Apenas pra registrar

Como tudo aconteceu

Eu vou retratar a arte

Exposta no seu museu

O seu filho Severino

Conta tudo que ocorreu.

Foi assim que ele viveu

Quando ainda menino

Já traçava seu futuro

Desenhando seu destino

Pelo mundo ganhou fama

Viva o mestre Vitalino.

Roberto Celestino:

Meu cordel pede licença

Pra fazer uma homenagem

A um artista de valor

Um tão grande personagem

Que deixou na sua arte

Estampada a sua imagem.

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