João Pessoa, 04 de maio de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Na conversa que tive com o cantor e compositor carioca Francis Hime, na última terça-feira, sobre seu disco novo “Não navego para chegar” (Biscoito Fino) – o cara com 85 anos, um menino, do outro lado do vídeo, completo e feliz. São 60 anos de música e 60 anos de amor com sua mulher Olivia Hime, que assina várias canções nesse álbum e canta também.
A quarta faixa “Um Rio” uma canção linda, aliás, todas, mas eu disse ao artista que navego para chegar e ele rindo, disse: “cheguei”. O rio de Francis, caudaloso, na interpretação de Dori Caymmi, de uma beleza ao expressar, alongando o leito dos versos, algo tão forte como o rio da Olivia (mulher Francis), declamando um texto dela. A letra também é dela.
“Rio nascente, dolente destino, aflora da terra, em águas sem fim. Rio que segue seu leito agonia e a flores bordadas, nas margens, silente cortejo”, esses versos iniciais são belos, mas nem tudo é rio.
O rio de Paulinho da Viola, que ainda passa na vida da gente, talvez sim, talvez não, mas nem tudo é rio. Por que maltratamos tanto os nossos rios, sem nenhum consenso do significado da palavra rio?
A médio e curto prazo, os rios serão só palavras. Já não serão rios quando estamos falando das correntezas, das águas, da vida que vem, que se vai, do peixe, do milagre. Nem tudo é rio e não estamos nos referindo a obra da escritora mineira Carla Madera, – o livro dela “Tudo é rio” é uma cena de cinema. O rio aqui é outro.
O rio em mim não para, mesmo atacado pela miséria e brutalidade dos homens. O nosso Rio Jaguaribe resiste entre os paradoxos, vivo apenas em alguns trechos da cidade, onde ele ainda é rio, com seus habitantes jacarés, cobras e capivaras – o rio que vejo todos os dias, que passa aqui atrás no muro da nossa casa.
O rio não é como nós, animais e diabinhos que temos medo de tudo, de algo que acontece de forma repentina e incompreensivelmente planejada. Gritamos com os outros, passamos na frente dos outros, brigamos no trânsito, falamos alto nos lugares e o rio passa, mas nem tudo é rio.
Lembrei de “Rio Vermelho”, outra canção de Francis Hime, que ele gravou no disco Pau Brasil, (1982) e falei com ele sobre essa canção: “Rio vermelho um saveiro, Dois ou três palmos de praia, Barra de mar e de saia, Rabo de galo e de arraia, Só você vendo morena, Como a distância me acena”.
São notáveis os artistas da música, da poesia, que fazem um rio continuar em nós, digo, em mim. Vamos imaginar que somos rios, e não somos, somos despreocupados em direção a um lugar que nunca vimos, mas não somos rios, somos pessoas duplicadas.
Não importa se está ensolarado e eu adoro o sol, até quando ele vai embora ou quando o sol não quer o dia e chuva alivia nossa esperança Se eu pudesse mergulharia novamente nos rios da minha vida, na chuva, nas barragens sangrando, nos abraços de meu pai de manhã cedo, quando eu chegava para passar as férias no sertão. Hoje vivo montado no meu paletó italiano, e sou um fulano qualquer.
Como eu queria ter visto o rio naquela manhã de verão que fizemos o cortejo de meu pai em 1987, cortando ruas e ladeiras, o caminho tortuoso, minha cabeça longe dali, Dias depois, consegui ver o rio da vida dele a passar pela minha vida, mas nem tudo é rio.
Kapetadas
1 – A melhor forma de conhecer alguém é observar como a pessoa trata quem não precisa.
2 – Quase tudo se espatifa, menos os patifes.
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OPINIÃO - 02/05/2025