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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Taperoá e Dorgival   

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publicado em 15/11/2023 às 07h00
atualizado em 14/11/2023 às 14h51

Os caminhos para o Sertão me levaram à Taperoá, onde o zeloso Dorgival Terceiro Neto nasceu, amou e defendeu. Observei vaqueiros e santos guerreiros usando indumentária característica da região a percorrer caatingas, como descritas por Ariano Suassuna, outro sertanejo de estirpe em extinção.

Toda região atingida pelo estio, com o chuvisco, as raízes brotam, ramas verdes cobrem a terra seca, o homem cava a solo, o perfume espalhado atrai pássaros, e logo os olhares estão sobre todos recantos.

A cidade de Taperoá estava diferente. Concedi liberdade aos olhos para observar capoeiras e vazantes no leito do rio. Guardei atributos das belezas do lugar. Foi grande prazer reencontrar velhos amigos e estar em lugar com paisagem aconchegante.

Uma década sem Dorgival encheu um par de caçuá de saudades. Ao chegar em sua terra, imaginei montado em jumento coberto com manta de couro de bode, caminhava pelo leito do Açude Manoel Marcionilo até chegar a Fazenda Santa Maria, depois de passar pela Fazenda Carnaúba, de Manuelito Vilar, pastor de cabras e o mais teimoso dos sertanejos, que foi guardiã de receitas para se viver naquele estorricado torrão.

Usar traje de couro seria homenagem à terra onde, no decorrer de muitas décadas, produziu homens e mulheres de boa camaradagem, de viver harmonioso porque partilharam modos típicos de uma raça acostumada a viver ao sol, de mãos calejadas e pele queimada. A exemplo destes amigos citados, muitos demonstraram apego à terra mãe. Pessoas são chamadas para sentir a brisa morna exalada da caatinga, perfume misturado de mormaço, espalhado por todo o Vale do Rio Taperoá.

Quando da última vez quando lá estive com Gonzaga Rodrigues e Antônio David, levava comigo a cachaça, a rapadura, o café e a brisa fresca do Brejo para misturar com a aragem norma do Cariri.

O poeta Vital Farias, cantador de todas emoções, enfiou este lugar místico em canções eloquentes e versos memoráveis.

Taperoá é para onde fotógrafo Antônio David coloca seu olhar e a lente da máquina para registrar paisagens em instantes que não retornam, do mundo encantado de Quaderna, de Dorgival, de Manoelito, de Vital e de Balduíno.

Certa vez o atencioso Nabor Vilar informou que Taperoá prestou homenagem ao filho ilustre, Dorgival, que brilhantemente administrou a cidade de João Pessoa e o Estado da Paraíba. Queria conferir, por isso passei pelo lugar.

Quando cheguei em Taperoá na manhã de sol morno devido ao estio, caminhei lento pela Rua Governador Dorgival Terceiro Neto, a principal de cidade, que desemboca na rodovia construída quando o filho ilustre estava na chefia do Governo da Paraíba, e recebeu seu nome. Homenagem por demais merecida, em iniciativa do Vereador Marcilon Melquides Alves Vilar, logo aprovada por unanimidade pela Câmara Municipal.

Caminhante solitário pela rua, ao recordar o amigo que fez sua passagem à outra dimensão do Cosmos, a saudade engrolou no peito deste cronista seduzido pelos ensinamentos dele. Nossas regiões tornaram-se irmãs na dor, pois quando a seca tostava Taperoá, os rios e barreiros secavam no verão prolongado, o Brejo acolhia magotes de retirantes.

Presto minha homenagem ao sertanejo que me acolheu com abraços inesquecíveis. Ele nada me deu senão a mão estendida como alguém a acolher filho necessitado de acalento.

Não tenho conhecimento se Dorgival magoou ninguém. Sua bondade era larga. Deixava-se conduzir pela simplicidade e humildade.

Os cargos exercidos no governo não mudaram seu modo de acolher conterrâneos. Como governador ou prefeito, nunca tomou decisões ao sabor da arrogância. Seu modo de tratar os amigos não tinha descontinuidade.

Quando conversei com pessoas do seu círculo de amizade e convivência íntima para um livro que escrevi sobre ele, ainda não publicado, constatei aquilo que ouvia dizer dele, pois era um homem de rara simplicidade. São poucos e quase ninguém com insinuações para desabonar o modo como conduziu sua vida profissional.

Este homem de saber jurídico invejável e contumaz defensor da cultura de sua terra, correto e de fabulosa memória, recitava versos de repentistas e utilizava modos para se viver com simplicidade.

        Pouco antes de contemplar os cenários em redor da rua que tem seu nome, deposito uma flor da caatinga em seu túmulo. Enquanto caminho em direção da Igreja Nossa Senhora da Conceição, suntuoso templo, símbolo da fé cristã na cidade, conclui que este lugar ainda fez pouco para perpetuar a memória deste homem.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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