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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

Parabéns, Wanderley!

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publicado em 26/08/2023 às 12h59
atualizado em 26/08/2023 às 10h00

 Atribuem-se às vezes o sucesso à componente sorte. Se considerarmos a sorte como um elemento preponderante, estaremos subestimando valores existentes e que sem eles o sucesso não aconteceria. Fica-se a imaginar como uma pessoa ficou rica, saiu em capa de revistas, entrevistas em páginas amarelas etc. Será que não existe um talento por trás de todo aquele comportamento? Por exemplo, um profissional quando alcança o sucesso em sua área é comprovado que possui o talento que a média de seus colegas não têm. Já há outras profissões em que o fator sorte tem um peso dominante para o êxito, como operador financeiro,que independe de talento, caso contrário de outros: artistas, escritores, jogadores de futebol, administradores de empresa etc.

Fala-se que todo mundo pode alcançar seu sonho, basta lutar por ele. Nesse entendimento fica claro a existência da meritocracia que é o “modelo de hierarquização e premiação baseado nos méritos pessoais de cada indivíduo.” O sociólogo britânico Michael Young (foto) (1950), professor da Universidade de Harvard, autor do livro “The Rise of The Meritocracy (“A ascensão da meritocracia”) entende que “ a meritocracia palavra híbrida, formada pelo latim mereo (‘ser digno, merecer’) e pelo grego antigo κράτος, transl. krátos (‘força, poder’) estabelece uma ligação direta entre mérito e poder.”  O critério nesse contexto considera-se o desempenho às aptidões individuais de cada pessoa.”  O cientista Abraham Maslow (1937 a 1951) estudou as pessoas que tiveram alto desempenho, como Albert Einstein, Eleanor Roosevelt e Frederick Douglas e encontrou nelas uma relação de cinco níveis de necessidades humanas, que são: fisiológica e de segurança, como as da base da pirâmide, vindo em seguida as outras, afeto, estima e as de auto realização. Considerou que esses componentes são necessários para alcançar o pleno potencial como ser humano.

No quadro populacional brasileiro em que predomina a pobreza, fica difícil dizer que qualquer criatura possa chegar aonde quiser quando ela começa já em desvantagem e sem recursos básicos para poder enfrentar os desafios.

Ao abordar esse assunto – sucesso e mérito, veio-me à mente a história de Wanderley que foi um menino muito pobre nascido no interior do estado, morando em um sítio distante da sede do munícipio. Sua mãe sabia alguma coisa de escrita, lia e contava. Com esse conhecimento, mesmo restrito, submeteu-se a ser professora de crianças para ensinar as primeiras letras e iniciá-las na alfabetização. Isto há 30 anos, o que era um feito muito grande. Dona Sebastiana e Sr. Belarmino tiveram sete filhos e Wanderley era o caçula. Desde pequeno a mãe percebia que ele era o filho mais esforçado e que gostava de estudar. Ela queria cultivar aquele gosto do filho pelo estudo, pois via nele a esperança para que tivesse um futuro melhor e mudar de vida com outras perspectivas. Tinha uma mente aberta para o desenvolvimento e para o progresso e entendia que o conhecimento através dos estudos levaria a isto. Já o Belarmino não tinha a mesma visão, achava que as meninas deviam se casar para ter seu futuro garantido, e os meninos deviam trabalhar no roçado, na enxada. Não admitia que os filhos fossem para a escola estudar. Wanderley conta que com sete anos já tinha seus afazeres estabelecidos pelo pai que se constituíam em tarefas diárias a ele atribuídas:  cortar o capim para o boi e levá-lo para a vacaria. Cada um dos irmãos tinha sua função.  No sítio não havia energia elétrica, tudo era realizado na força braçal. A luz era de candeeiro à base de querosene. Não havia água, tinham que apanhar numa fonte a um quilômetro de distância. Levavam uma vida muito sacrificada e sofrida.   Como era o caçula o serviço era mais leve, porém era obrigatório, não havia desculpas e nem podia ser dispensado.

Conta Wanderley que aos 14 anos o pai queria que deixasse a escola e ele resistia porque gostava de estudar. Como estava crescido também estava mais avançado no estudo. A escola ficava na cidade o que o condicionava a andar em estrada de barro para pegar um ônibus, pois esse passava distante do sítio. Era todo um sacrifício para chegar até o colégio, mas mesmo assim não deixava de ser incentivado pela mãe que dizia: “Estude que tenho certeza que você vai ser alguém na vida. ” Seu pai era terminantemente contra porque ele era menino e tinha que ajudar na roça”. Conta que seu pai colocava sempre empecilho para ele não poder estudar. Ele rogava: “Pai eu faço todo o meu serviço, mas me deixe ir para a escola! ” E assim era feito. Acordava às quatro da madrugada, antes de todo o mundo, e ia cortar a grama e o capim, alimentava os bichos que possuíam; cavalos, cabras, duas bezerras e dois garrotes.  Em seguida, ia buscar água para tomar banho e ir para a escola. Enfrentava todo o sacrifício daquela caminhada para chegar até lá. Voltava ao anoitecer.  Acrescenta que mesmo em casa tudo era difícil pois seu pai colocava obstáculo.  A hora que tinha para estudar era à noite e acontecia depois que fazia as tarefas, quando todos já estavam em seus leitos. Acendia o candeeiro e seu pai vinha e apagava. Era uma peleja, obrigando-o a fazer tudo escondido. Esforçava-se para não fraquejar e deixar os estudos, submetendo-se àquela situação que lhe era imposta. Sua genitora sempre estava solicitando ao esposo que o deixasse estudar. Dizia: “ Belarmino, Wanderley é um menino diferente, você vai ver que ele vai ser alguém na vida”. Assim D. Sebastiana estava sempre incentivando e segurando as pontas para que seu filho não deixasse de estudar.

Com o passar do tempo a sua irmã mais velha, Célia, casou e veio morar em João Pessoa e teve um filho. Ela trabalhava. Pediu à mãe que mandasse alguém para ficar com ela e ajudar nos cuidados do bebê, enquanto tinha que trabalhar. A mãe montou uma estratégia com Célia que ela deveria matricular Wanderley na escola pública de segundo grau, hoje ensino médio. Num horário Célia trabalhava, e ele tomava conta da criança e no outro frequentava a escola. Tudo foi acertado e assim aconteceu, Wanderley ficou feliz porque surgia a oportunidade que tanto almejava.  Viu seu sonho acontecer. Foi matriculado no Liceu Paraibano. Conta Wanderley que passou muitas noites a dentro, estudando. Sentiu necessidade de arranjar um emprego.

Eles moravam num bairro em que todos os dias passava por um colégio que chamava sua atenção e, ao olhá-lo, dizia consigo mesmo: “ um dia eu vou ser professor e hei de ser professor desse colégio”. E através dos estudos ele foi crescendo e entrou na Universidade para cursar Geografia. Seu sobrinho já estava crescido. Ele então dirigiu-se a Diretora do Colégio do bairro solicitando um emprego ali naquele educandário. Estava fazendo universidade, mas aceitaria qualquer trabalho que fosse, queria se sustentar, não estava escolhendo. Seu sonho era chegar um dia a ser professor daquele colégio.  A diretora condoeu-se. Muito novo, tinha 17 anos, vestido humildemente, com calça jeans bem surrada, disse: “ Emprego de professor eu não lhe posso dar agora mas temos uma vaga de porteiro”. Claro que ele aceitou e disse: “logo amanhã estarei aqui”. Começou na portaria e ali relacionava-se com os alunos, seus pais, professores e com todos. Depois de dois anos e meio surgiu uma vaga para professor na sua área. Ele também já estava na metade do curso.  A diretora perguntou: “Wanderley, quer ocupar essa vaga?   Respondeu: “Claro que eu quero” Foi assim que ele adentrou na vida acadêmica. Com pouco tempo na escola já era considerado um dos melhores docentes do educandário. Formou-se.  Assumiu ser professor em diversos colégios da capital e de cursos pré-vestibular tornando-se conhecido em pouco tempo. Hoje, é professor de uma renomada universidade. Possui mestrado, doutorado e PHD, sabe falar fluentemente duas línguas estrangeiras.  Notabiliza-se como pesquisador e orientador de grupos de estudos credenciados pela CAPES e CNPq. Notabiliza-se como excelente profissional, nacional e internacionalmente.

Vejam o descortinar dessa história de Wanderley. Atribuímos o seu sucesso à sorte ou ao mérito? Percebe-se que aquilo é difícil e quase impossível, sair do buraco e chegar ao topo. No nosso entender, o mérito do sucesso não está em condições favoráveis, simpatias ou sorte, vai muito além do superficial e imaginário. Todavia, o fulcro essencial baseia-se na determinação para fazer e para aprender; na criatividade; na inovação etc. São fundamentos essenciais para se conquistar o sucesso. Constata-se, nesse caso, que foram utilizadas as ferramentas básicas para superar os desafios e conquistá-lo. Carol S. Dweck (2006) diz que “possuir talento e inteligência superior não é receita para o êxito na vida”.  Teríamos, ainda muito a comentar, a analisar e a fazer quanto aos aspectos dos desafios e da superação para alcançar o sucesso. O assunto é muito abrangente e controvertido, todavia seriam menos importantes para o que se deseja abordar. Marcos Lesiuk (2022), expert do “Marketing, Customer Success,” nos afirma: ”nascemos anônimos, para construir nosso legado. Por isso devemos fazer de nossas vidas uma bela história”. Wanderley construiu sua linha do tempo e não esperou que lhe fosse dado nada. Ele correu atrás do que acreditava e superou todas vicissitudes.  Quantos, como ele, com as condições existentes, conseguem perseguir o mesmo caminho? Poucos. Parabéns Wanderley!  Você conseguiu.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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