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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Ler poemas

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publicado em 24/05/2023 às 07h04
atualizado em 23/05/2023 às 14h40
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Não, não tenho dúvidas: é a voz de Drummond, lendo seu poema, “Memória”, em meio a uma dessas canções populares que toca no rádio. E como me soam estranhos seus versos, principalmente, os finais: “Mas, as coisas findas ∕ muito mais que lindas, ∕ essas ficarão”.

Sou voz, rouca, raquítica, cansada, quase inaudível e sem ritmo, atropela a fluidez melódica do poema, prejudicando-lhe a doce e simples musicalidade. Sinto que a força emotiva de seus quatro tercetos, simétricos na cadência e profundos no conteúdo temático, vai por água abaixo na leitura do grande poeta. E ouvi-lo, mesmo com o sotaque de sua estranha originalidade, não me fez bem.

Ora, isso acontece. Nem sempre os poetas sabem ler com a devida propriedade estética e emotiva a linha de seus versos. Manuel Bandeira, por exemplo, também não é melhor do que Drummond. Lêdo Ivo, que ouvi e vi lendo seus poemas na televisão e, certa feita, pessoalmente, é simplesmente um fiasco. Lê apressado, engolindo palavras, saltando sílabas, comendo letras, com sua voz fanhosa e desagradável. Talvez, dessa estirpe dos poetas maiores, salve-se Vinícius de Moraes, certamente ajudado pelo talento musical e a voz ritmada.

Da grei mais próxima, destaco os pernambucanos Marcus Accioly, Ângelo Monteiro, José Mário Rodrigues e Esman Dias, que só não leem seus poemas com intensa expressividade, mas os dizem de cor, pontuando o ritmo interno de cada verso e respeitando a densidade semântica das ideias e das imagens.

Aqui, na Paraíba, somente José Antônio Assunção e Sérgio de Castro Pinto sabem ler, de fato, os seus poemas. O timbre de suas respectivas vozes e a sapiência rítmica com que modulam o exercício prazeroso da leitura, se não melhoram a materialidade poética de seus textos, em si mesmos dotados de valor artístico, adequam-se perfeitamente às suas exigências intrínsecas.

Ler seus próprios poemas, ou mesmo os poemas alheios, não é fácil como se pensa. Não é tarefa para qualquer um. Observando, em alguns recitais, a performance de alguns de meus pares, sinto-me como que constrangido e envergonhado. Bons poemas ficam ruins; poemas razoáveis tornam-se piores. Se eles me constrangem e envergonham, certos atores e certas atrizes, por outro lado, me entristecem, pois fazem de seus recitais uma cenografia tosca e bisonha que beira o ridículo e onde a futilidade das aparências aniquila a verdade essencial do poema.

Não sou contra a leitura em voz alta, porém, diante dessas experiências malogradas, prefiro a caixinha acústica da leitura silenciosa, em tudo antenada com a música íntima e orgânica que se cristaliza em cada pausa e em cada acentuação que os versos, em seus insólitos movimentos, se permitem. Nunca esqueço que a música do poema está dentro do poema; não vem de fora, e, não raro, vibra mais alto e mais afinada, quando entregue às vozes secretas do silêncio.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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