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Kubitschek Pinheiro MaisPB
Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento formam o time de artistas da MPB, que chegaram aos 80 anos. Os músicos Cristovão Bastos e Mauro Senise lançaram “Choro Negro”, em homenagem a Paulinho da Viola, com selo da Biscoito Fino.
Um dos destaques do álbum é “Um Choro pro Waldir”, tributo de Paulinho ao mestre do cavaquinho e autor de “Brasileirinho” (Waldir Azevedo). Parceiro de Paulinho nessa canção, Cristovão Bastos faz uma introdução singular, alternando à perfeição aos intervalos com som e silêncio, em notas de piano.
Outras faixas do álbum que merecem destaque são “Nada de Novo”, “Coração Leviano” ( que foi gravada também por Maria Rita) a bela canção é valorizada pelos solos do piano de Cristovão e do sax soprano de Mauro –, e “Vinhos Finos… Cristais”, parceria de Paulinho com Capinam.
É um disco que se agiganta na sonoridade, com múltiplas passagens do piano e sopro nesse elo entre Cristovão e Mauro. Com este álbum, Senise acrescenta mais um grande compositor da MPB à sua série de Songbooks, que já inclui Edu Lobo (“Casa Forte”), Dolores Duran e Sueli Costa (“Lua Cheia”), Noel Rosa (com Gilson Peranzzetta), Gilberto Gil (“Amor Até o Fim”) e Johnny Alf (“Ilusão à Toa”). O pianista Cristovão Bastos não só reforça o trabalho e admiração por Paulinho da Viola, como o brinda com a décima e última faixa do disco, ‘Outonal’, alusão aos 80 anos de Paulinho, completados dia 12 de novembro passado.
A cada acorde os versos aparecem na memória dos fãs.
É impressionante o casamento do sax de Senise com o piano de Bastos em “Coração Leviano”, o arranjo e o piano de Cristovão embalam o sax soprano de Mauro e também o contrabaixo de Jeff Lescowich e a percussão de Jurim Moreira.
E tem “Sarau Para Radamés”, tema instrumental gravado em 1978 que tinha Cristovão Bastos ao piano Ao recriar o arranjo, Bastos contou novamente com a flauta de Senise, o baixo e a percussão. “Choro Negro”, seu e do Fernando Costa, é outro tema instrumental gravado por no LP Nervos de Aço, em 1973, que também tinha Cristovão ao piano.
Cristovão Bastos e Mauro Senise
Cristovão Bastos é carioca, compositor, pianista e arranjador. É muito respeitado no meio artístico. No entanto, somente após 30 anos de carreira gravou seu primeiro disco solo “Avenida Brasil”, que inclui parcerias com Chico Buarque e Paulinho da Viola. Algumas de suas músicas de sucesso são Todo Sentimento, Resposta ao Tempo e Suave Veneno (em parceria com Aldir Blanc).
Mauro Senise, também nasceu no Rio de Janeiro, neto do pensador Alceu Amoroso Lima, começou sua carreira em 1972. Estudou flauta clássica com Odette Ernest Dias e sax com Paulo Moura. Durante muitos anos tocou e gravou com grandes mestres como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Wagner Tiso e Luis Eça e com o Grupo Um.
Mauro Senise e Cristovão Bastos conversaram com o MaisPB e falam da alegria de “Choro Negro”, um presente para fãs deles e, claro, de Paulinho da Viola, com toda admiração.
Mauro Senise
MaisPB -Esse disco nasceu para homenagear Paulinho em seus 80 anos completados em 2022?
Mauro Senise – Sim, homenageando os 80 anos deste grande músico que é Paulinho da Viola!
MaisPB – Como você e Cristovão chegaram a esse primoroso disco – “Choro Negro: Cristovão Bastos e Mauro Senise tocam Paulinho da Viola”
Mauro Senise – Cristovão e eu somos amigos há mais de 40 anos. E temos muita afinidade musical. Já participei de discos dele e ele sempre participa dos meus, tocando esse piano maravilhoso e fazendo arranjos.
Este projeto é um resultado natural dessa amizade e admiração mútua.
MaisPB- E a definição do repertório – tanta coisa bonita de Paulinho, né?
Mauro Senise – É muito difícil escolher entre tantas maravilhas do Paulinho um repertório que coubesse num CD. Cristovão tem grande intimidade com o Paulinho. Além de serem parceiros na música, Cristovão é compadre dele. E trouxe pro nosso CD muitas músicas lindas e pouco conhecidas do Paulinho.
MaisPB – “Coração Leviano” não poderia faltar, né Senise?
Mauro Senise – Jamais! Adoro esta música!
MaisPB – “Por um Amor em Recife” é uma canção linda, antiga que ele fez lá na cidade do Recife, mesmo. Fala aí?
Mauro Senise – Paulinho compôs esta música para uma senhorinha moradora do Recife. Cristovão conhece melhor esta história.
MaisPB – Tudo se Transformou – que Caetano Veloso gravou lá atrás, é um clássico, parece música de cinema…
Mauro Senise – Gravamos este CD em 2 dias. Tudo de primeiro take! No primeiro dia, as 5 músicas em duo. No segundo, as 5 músicas com Jeff Lescovich ao contrabaixo e Jurim Moreira à percussão. Isto já mostra o total foco em que estávamos.
Tudo se transformou tem climas, respiros, ótimo pra improvisar. Este CD ficou todo com um clima de…cinema!
MaisPB – Você chegou a tocar com Gal? Como vê o Brasil sem ela?
Mauro Senise – Nos primeiros anos da minha carreira toquei com os baianos Caetano, Gil, Gal e Bethania. Gal era (e será sempre) uma grande intérprete, uma referência para novas gerações. Voz cristalina, doce, mas também forte e potente em outros momentos. Vai fazer muita falta para a música brasileira de qualidade.
Cristovão Bastos
MaisPB – Rapaz, que disco lindo, dá até para a gente pensar na paz, né?
Cristovão Bastos – Acho que dá para pensar na paz, sim. Paulinho é uma pessoa assim, que você vê que é extremamente pacífico. E tem uma calma muito grande. Tem um jeito de chegar, de falar, de expor as coisas. Tem muita elegância, tem doçura no que faz. É uma pessoa de paz, com certeza.
MaisPB – Faltou o “Foi o Rio que passou na vida?
Cristovão Bastos – “Foi o rio que passou na minha vida” é uma música muito boa. Só que ela é, não é um defeito aí, é uma música que tem muita história para contar. É uma música que eu acho que depende muito da letra, mais que as outras que estão aí. Até porque é uma história que o Paulinho fala da Portela. Então eu acho que a gente poderia gravar, mas talvez num outro contexto, usando instrumentos de percussão, tentar levar mais para o lado real dela, assim. As outras músicas são a gente tem mais condição de sonhar e de viajar.
MaisPB – “Um Choro pro Waldir”, ao mestre do cavaquinho. Vamos falar dessa canção?
Cristovão Bastos – “Um choro por Waldir” é uma composição que começou assim: eu tinha uma ideia de dois compassos da música e ficava parado nisso, ficava parado nisso. E vez por outra, conversando com o compadre, porque a gente sempre trabalhou muito junto e eu mostrava pra ele. Até que um dia a gente estava na casa do Paulo César Pinheiro e da Luciana Rabello, casal, e tinha um piano lá. Nós fomos para esse canto, ele com cavaquinho e eu no piano. E aí eu fiz aquele primeiro motivo, a primeira frase da música, ele já emendou uma resposta. A gente foi emendando, e quando a gente viu, fizemos um choro que eu acho fantástico, que já é um clássico entre os chorões, né? A gente levou umas duas horas, talvez nem tanto, pra resolver essa música. É uma música que eu gosto muito, eu sei que ele também gosta. É uma música que eu gravei no meu primeiro disco e já é a terceira vez que eu gravo. E outras pessoas já gravaram, tem muitas gravações interessantes por aí. Estão tocando em vários lugares do mundo, inclusive. Então é isso. É uma música que a gente gosta muito, com certeza. E é realmente uma música muito bonita.
MaisPB – “Não me digas não” é uma canção não muito escutada, mas agora sim né?
Cristovão Bastos – “Não me digas de não”, é um choro da série de choros que a gente tem, que nós fizemos. Nós fizemos na verdade quatro choros, ainda falta aí o “Meu tempo de garoto” e “Acreditei nos beijos dela”. Não são músicas que levam letras. Então elas são bastante conhecidas no universo do choro. Mas assim, para quem escuta só canções, realmente elas não são muito conhecidas. Mas é uma música completamente instrumental por causa da ausência de letra, e essa é uma das razões de ela estar aí. O “Choro para o Waldir” também é música sem letra. É um choro mesmo, então é uma das razões de ela estar aí, o fato de ela não ter letra. E também de eu querer mostrar as coisas que eu fiz com o compadre, que para mim são muito importantes.
MaisPB – Em Coração Leviano, tem o auxílio do baixo de Jeff Lescowich e da percussão de Jurim Moreira, e quase a gente não percebe, de tão juntos estão os instrumentos e vocês prosseguem em “Para um amor no Recife”, vamos falar sobre isso?
Cristovão Bastos – Esses dois músicos, o Jeff [Lescowich] e o Jurim [Moreira], são pessoas muito sensíveis. O Jurim é um músico de muita experiência, já fez muitas coisas, inclusive tocou em sinfônica. Eles têm um respeito muito grande pela música. Tocam em função daquela música. E são pessoas que realçam qualquer trabalho em que você estiver. Eles abrilhantam o trabalho. E tem a coisa de ser quase imperceptível, de você não notar, pela integração fantástica que eles têm. É um prazer imenso tocar com esse pessoal, com certeza.
MaisPB – Você toca piano tão bem que a gente nem sente a falta de letra, né?
Cristovão Bastos – Obrigado por você dizer que eu toco piano tão bem. Mas, uma das coisas, um dos grandes propósitos desse disco é mostrar as melodias puras sem a letra. Que música popular tem disso, quem sempre faz canções normalmente elas têm uma letra, e dependendo, até parece uma coisa de estado de espírito. Outro dia até li uma coisa sobre isso, acho que tem dias que as pessoas prestam mais atenção na música. E tem dias que as pessoas prestam mais atenção na letra. A música que eu quero dizer, na melodia, né. Então essas músicas são muito bonitas. Essas melodias do Paulinho são muito bem feitas e muito bem acabadas. Então, eu acho que se você tocar com carinho, elas ficam bonitas realmente.
MaisPB – Vocês conversaram antes com Paulinho, ele já ouviu o disco?
Cristovão Bastos – Eu falei com Paulinho um pouco antes. Eu estava fazendo um trabalho profissional como arranjador, e aí eu liguei para ele. E falei com ele desse disco que a gente estava fazendo. E, algum tempo depois ele ligou para mim, agora perto do aniversário dele. Ele até ligou para mim e fiquei muito lisonjeado, eu seria um convidado especial que ia chegar lá, tocar umas duas ou três músicas com ele, eu ia ficar muito feliz com isso. Mas eu já tinha um compromisso com o Mauro em Tiradentes (MG). E a maior parte do repertório que a gente tocou em Tiradentes, foi desse CD que a gente gravou. Então, ele ainda não conhece o disco, mas ele me conhece bem e a gente tem uma relação muito bonita com a música. Aliás, a nossa amizade começou exatamente tocando. Quando eu conheci Paulinho, eu tocava numa boate, ele foi lá, para tocar nessa casa. E quando a gente começou a passar as coisas foi assim tipo, amor à primeira vista. A gente se entrosou perfeitamente. Então, ele não ouviu, mas eu tenho certeza que ele vai curtir. Ele vai curtir. E qualquer ponderação que ele faça será muito bem vinda, porque ele é muito sensível e muito inteligente.
MaisPB – Como você vê a morte de Gal, uma grande perda para o Brasil?
Res: A morte de Gal é um acontecimento que nos deixa assim….é uma cantora muito especial. A gente fica sem essa presença, sem essa voz e é claro que essa é uma pessoa que faz falta. Mas ela deixou uma obra bem grande, sabe? Ela percorreu vários caminhos dentro da música, cantou de vários gêneros. Do rock à música de Tom Jobim, cantou samba, cantou de tudo, né. E tem uma obra vastíssima e assim, fica um registro muito grande das coisas que ela fez. As pessoas provavelmente conhecem uma parte. Então ela vai ficar presente, ela vai estar sempre presente aqui na vida da gente. Por causa disso, por causa dessa obra. É uma pena, mas a gente tem como curtir muito a Gal ainda.
ENTREVISTA À REDE MAIS - 12/09/2025