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Jorge Helder, contrabaixista da banda de Chico Buarque lança novo disco “Caroá”

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publicado em 26/11/2022 às 12h33
atualizado em 26/11/2022 às 16h23

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Fotos – Gabriela Pérez 

Não é à toa que a cantora Maria Bethânia diz que o músico Jorge Helder é o baixo mais requisitado do Brasil, do mundo. Caetano Veloso o chama de “Doce Jorge” e Chico Buarque de “São Jorge”. Jorge Helder é um talento nordestino, cearense, que dedicou 40 de seus 60 anos à música e agora, lança o disco solo “Caroá” (Biscoito Fino), o segundo de sua carreira.

O time de “Coroá” tem muitos craques:  o saxofonista carioca Zé Nogueira (“Impressão perfume”), o cantor e compositor mineiro Sérgio Santos (“Santos de Casa”), a cantora paulista Mônica Salmaso (“Lugar sem tempo”) e o cantor e compositor capixaba Zé Renato (“Miguilim”). Também estão lá os instrumentistas Chico Pinheiro (guitarra), Hélio Alves (piano), Tutty Moreno (bateria) e Marcelo Costa (percussão).

Da esquerda para direita: Zé Nogueira, Jorge Helder, Mônica Salmaso e Zé Renato

Bromélia – Isso mesmo. O nome do disco “Caroá”, vem bromélia,  flores vermelhas e rosadas, típica da caatinga, cujas folhas fornecem fibra para a confecção de barbantes, redes, tecidos e esteiras. Na verdade, o álbum surgiu da pesquisa do contrabaixista sobre temáticas ligadas à sua terra. Ele diz que a fonte vem de Luiz Gonzaga, que compôs e gravou “Arrancando caroá”, lançado nos anos 1940.

A fotógrafa pernambucana Géssica Amorim, que assina a capa do disco, lembrou que o Caroá deu, dá e dará sustento a muitas famílias nordestinas.

O projeto surgiu do encontro de Helder com o maestro baiano Letieres Leite (1959-2021), que o perdemos durante as pancadas da pandemia, vítima da Covid-19. “Gostei muito de trabalhar com Letieres num disco da Maria Bethânia. Ele me mostrou vários trabalhos seus com a Orkestra Rumpillez, além de coisas que gravou com o maestro pernambucano Moacir Santos”, conta o instrumentista. Jorge compôs as canções enquanto a pandemia avançava.

Do Planalto Central

Lá atrás, os nordestinos migravam para São Paulo, mas quando JH deixou Brasília, na década de 1980, para morar no Rio de Janeiro, sua carreira logo se inseriu no mercado brasileiro.  No Rio, fez parte de grupos de jazz, acompanhava cantoras, em processo de ascensão, como Cássia Eller, Zélia Duncan e Rosa Passos e outras

JH chamou atenção, inicialmente de companheiros de músicos ao tocar em casas noturnas. Um deles, Luiz Cláudio Ramos que o convidou para integrar a banda de Chico Buarque, da qual, além de violonista, era o diretor musical. A partir dali passou a ser requisitado, o mais requisitado, para acompanhá-los em gravações, por grandes artistas da MPB — de Edu Lobo, Caetano Veloso, Nana Caymmi, Ney Matogrosso, Gal Costa e Maria Bethânia.

Em conversa pelo telefone com o MaisPB, Jorge Helder conta muito mais da vida, do disco e da música.

MaisPB – Vamos começar pelo Nordeste. Orgulho demais de ser nordestino, né?

Jorge Helder – Sim, somos de uma região com seus problemas climáticos e ainda tem muita gente passando fome nos sertões, sem ter o que comer e, mesmo assim, um povo muito aguerrido, corajoso, com vontade de viver, isso é próprio do ser humano e ele consegue. Nós nordestinos temos essa força. Tenho orgulho de ser nordestino. Sem falar que sempre fomos desprestigiados, na época da ditadura, então. Eu era pequeno e ainda em Fortaleza, escutava falar que muitas pessoas passavam fome, crianças comiam calangos, barro e ainda passam fome. Somos um país tão rico…

MaisPB – A canção “Caroá” que dá nome ao disco, é um misto de jazz e lembra uma canção antiga?

Jorge Helder – Então, a canção Caroá tem forte influência de Luiz Gonzaga. Quando fiz a melodia, fiquei pensando que essa música já existia, mostrei aos meus filhos, fiz pesquisa de repertório. Aí fui lá na fonte do Gonzaga, que eu escuto muito e achei uma semelhança: naquela canção “eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião”, – tem a métrica, o ritmo da minha música bem singular, daí a influência e casa-se bem com a letra da canção dele.

MaisPB – É verdade, mas parece também com jazz, música de cinema. E tem a coisa da literatura… Vamos falar da canção “Santos de Casa”, com a participação do Sérgio Santos?

Jorge Helder  Sim, estou sempre lendo, pesquisando. O Sérgio Santos é mineiro, discípulo do Mílton Nascimento, do Bituca. Eu já conhecia o trabalho do Sérgio e gostei muito da voz dele. Ele tem uns discos lindos. Tem um disco em homenagem à Amazônia. Eu sempre pensei em tê-lo em meu disco. Essa música não tinha nome. Foi a primeira que eu compus.

MaisPB – Essa canção “Santos de Casa”, vem do seu trabalho com o maestro baiano Letieres Leite (1959-2021)

Jorge Helder- Ele tinha um trabalho com a orquestra Rumpilezz e continua, trabalho inusitado. Um gênio, historiador da música. Trabalhando com ele, marcamos de fazer com a Rumpilezz e compus a canção,  os ritmos , e que tem origem na África e definições baianas. Isso já vem de muito longe. É daí do nosso Nordeste. Essa música. eu trabalhei pensando muito no grande pernambucano, Moacir Santos, que morava em Los Angeles, eu gravei o disco dele, o antológico álbum duplo, “Ouro Negro”. É uma maravilha.

MaisPB – Foi bom ter feito esse disco do Moacir Santos?

Jorge Helder – Sim, minha cabeça musical mudou totalmente. Aí veio o nome da canção, Santos de Casa. Por causa do Moacir Santos e do Sérgio Santos.

MaisPB – Tutty (Moreno), virou nome da terceira faixa do seu novo disco, com guitarra e piano. Vamos falar dessa homenagem?

Jorge Helder – Foi uma surpresa para ele, porque trabalhei muito com Joyce Moreno, muitas turnês mundiais, e ela é mulher dele. Já toquei muito com Tutty e o jeito dele tocar é único. Não conheço nenhum baterista que toque igual a ele, não é questão de tocar melhor ou pior, eu estou falando do jeito de tocar, o estilo.

MaisPB – O que Tutty disse?

Jorge Helder – Ele ficou muito emocionado, sem palavras, muito feliz. Essa música é meio Joyce, é meio Tutty, porque ela e ele são uma pessoa

MaisPB – A quarta faixa, “Lugar Sem Tempo”, com a voz de Mônica Salmaso, é algo onírico, lembra a música de Milton Nascimento?

Jorge Helder – É verdade. Eu sou louco por Minas, todos os compositores de Minas me emocionam muito. Eu gosto muito de harmonia e sempre ouço Toninho Horta, Bituca, Lô Borges, Beto Guedes, são tantos. Essa música é também romântica, eu decidi por as vozes depois que o disco estava pronto, eu senti a necessidade de um jeito mais lírico. Mônica Salmaso, é uma coisa linda, a voz dela.

MaisPB – Lugar Sem Tempo é um bom lugar, né?

Jorge Helder – Olha, dá nome a uma música que não tem letra, é muito difícil. Por isso que Moacir Santos colocava Coisa 1, Coisa 2. Eu demorei muito a colocar os títulos nas músicas. Sempre leio bastante, procurando me informar das coisas, tenho uma filha que é jornalista (Maria Carolina). Aqui em casa tem muitos livros. Para cada música eu li alguns trechos de Guimarães Rosa, Machado de Assis. Eu comecei a estudar o Romantismo e vi uma definição bem interessante, a coisa que está relacionada ao tempo, não ao tempo determinado. Daí veio o título “Lugar Sem Tempo”.

MaisPB – A sexta faixa do disco, “Confluências”, é como uma volta  no tempo?

Jorge Helder – Confluências eu fiz pensando nas confluências dos rios. Porque a melodia é feita por dois instrumentos, a guitarra, é um rio e o piano é outro rio.

 MaisPB –  E essa canção marca bem o jazz?

Jorge Helder – Sim, o disco é quase todo. Talvez Confluências seja a mais jazz.

 MaisPB – A canção Miguilim, passa pela neblina de Grandes Sertões Veredas, de Guimarães Rosa, e nessa canção você traz a literatura, o personagem Miguilim de “Campo Geral”, do escritor mineiro?

Jorge Helder – Isso, voltando para Minas. Miguilim, que é o personagem,  fiz pensando em Minas, é a canção mais mineira que eu fiz. O personagem morava em Mutúm, Minas  Gerais. Chamei Zé Renato para colocar sua voz nessa canção, porque a música fala o tempo todo de Miguilim. Parece um dialeto, dialogando com a melodia.

MaisPB – Fecha o disco com “À margem”… que é jazz puro, tipo stand americano?

Jorge Helder – – Foi feita nesta intenção mesmo, um stand.

MaisPB – E o disco “Samba Doce”, que é 2020?

Jorge Helder – Esse é o meu primeiro disco, que saiu pelo selo Sesc, mas em digital.

 MaisPB – Você é um excelente músico e brilha nas turnês de Chico Buarque?

Jorge Helder – Sim, eu gosto muito de trabalhar com Chico, meu amigo.

MaisPB – Você já tocou muita gente, Nana Caymmi, Ney Matogrosso…

Jorge Helder – Sim, acho que é mais fácil falar com quem não toquei, (disse ele rindo).

MaisPB – E Gal Costa?

Jorge Helder — Toquei muitas vezes com ela, gravei discos com Gal. Fiz show e turnês. Toquei recentemente com ela, agora em fevereiro, no show da Mangueira e eu estava lá do lado dela, fazendo a direção musical das canções. O Brasil perdeu muito com a morte de Gal, aliás, o mundo. Grande artista. Totalmente inesperada a morte dela

MaisPB – Você gravou com ela e Caetano, o show Tieta, não é?

Jorge Helder – Sim. Mas isso é lá atrás.

MaisPB – Você toca no disco “Meu Coco”, de Caetano?

Jorge Helder – Sim. Foi muito bom. Já fiz muitos shows com Caetano. Desde 1995, gravamos Prenda Minha, o disco Livro, Tieta, gravei o disco dele lá na Itália em homenagem a Fellini e Giulietta Masina. Fiz turnês mundiais com Caetano pelo Japão, Estados Unidos e Europa. Eu estou no filme “Coração Vagabundo” (de  Fernando Grostein Andrade) Também estive com ele naquele filme ( Fale com Ela) de Pedro Almodóvar, em que Caetano cant É lindo o disco novo de Caetano, “Meu Coco” –  as canções são tocantes e modernas. Caetano é demais.

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