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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

A vida fácil não é fácil

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publicado em 27/08/2022 às 11h59

Easy é uma série interessante. Dirigida por Joe Swanberg (EUA, 2016), Easy  (foto) não nos apresenta episódios empolgantes em que, a cada minuto, o espectador vira expectador, com o fôlego suspenso e afastando o costado do sofá. Trata-se de uma série sobre os fatos da vida, os fatos miúdos, comezinhos, que infestam o nosso cotidiano.

Não há heroísmos narrados de modo grandiloquente ou apelando para o maravilhoso, para Thaumas, o Espanto, assim como não há tragédias irreparáveis e aniquilatórias, fazendo o herói dar-se conta de sua humana e necessária fragilidade. Aliás, não há heróis, apenas pessoas, que tentam levar adiante sua vida, com as angústias naturais do ser humano. Talvez, por isto, o título ambíguo: é fácil atingir o espectador, que parece estar ali vivendo cada um dos seus pequenos dramas, sem ficções elaboradas ou furos de verossimilhança, às vezes necessários para sustentar o suspense. Não há suspenses. Há vida, apenas vida, fácil de se reconhecer.

Ao mesmo tempo em que a série desperta uma empatia com o espectador, ela ironiza o próprio título, mostrando que a vida não é fácil. Para se tentar ter uma vida fácil, precisamos de muita complexidade e nem sempre conseguimos atingir o que planejamos como ideal.

Dentre os conflitos cotidianos que nos afligem está a, ainda, incompreensão do sexo. Os homens passaram milênios oprimindo as mulheres, sem o menor desejo de conhecê-las integralmente, sem o menor desejo de vê-las como seres humanos constituídos daquela mesma essência que os constitui: o desejo. A série parece abrir um espaço para se discutir a fragilidade do homem com relação à nova posição da mulher, mas sobretudo para o fato de que as mulheres podem até conhecer a anatomia do homem mais do que o homem conhece a delas, porém ainda titubeiam no que diz respeito à fisiologia, sobretudo quando se trata de tempos de prazer e da idade. Acredito até que seja por culpa do próprio homem, por séculos de propaganda como amante insaciável. Cada um se via ou se vê como um Casanova ou Don Juan. Quando a mulher, buscando e exigindo a reciprocidade do prazer se revelou, o amante insaciável ruiu e mostrou-se um ser humano frágil e inseguro.

Mas a série não fica só em sexo, senão seria entediante. Os relacionamentos mostram as aflições e inseguranças entre as pessoas que, mesmo diante de tanta evolução, continuam as mesmas. Com o agravante do celular, tecnologia para o bem e para o mal, que já está afastando as pessoas umas das outras, mais do que as aproximando. O mais difícil parece ser o egoísmo, as intransigências, o orgulho, a falta do diálogo, a insegurança e medo de saber como chegar ao outro, todos estes monstros que habitam e pululam dentro de nós.

A verdade é que desconhecemos o outro, ainda que vivamos anos com ele. E não adianta buscar conhecê-lo e entendê-lo, se desconhecemos a nós mesmos, envolvidos e dominados pelo que aparentamos ser.

Easy?

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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