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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Livros que amei!

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publicado em 24/08/2022 às 07h00
atualizado em 23/08/2022 às 17h54

Vejo na TV Curta um documentário da série “Os livros que amei”. Três entrevistados falam de Fernando Pessoa, Mário de Andrade e Primo Levi (foto) Os respectivos livros destacados são: O livro do desassossego, O turista aprendiz e ´´E isto um homem?

Os livros que amei não quer dizer necessariamente os livros que passaram na história de leitura de cada um. Na verdade, pelo que observo e pelo modo como se expressam os leitores selecionados, esses livros permanecem vivos, na medida em que são relidos a vida inteira. A bem dizer, significam fontes contínuas e renovadas de novas experiências existenciais e de múltiplas lições de encanto e sabedoria.

Certos livros são como a água e o vinho. Se tais substâncias são indispensáveis à saúde do corpo, quer nos seus aspectos nutrientes, quer nos seus elementos lúdicos, os livros constituem o alimento da alma, em suas andanças pelas paisagens da vida. Manancial de prazer e de ensinamento, os livros são nossos amigos, como diz Eduardo Frieiro.

Os exemplos citados me parecem perfeitos!

O livro do desassossego, de Fernando Pessoa, é como uma Bíblia laica, pois sua leitura, parece-me, não se tece com os fios de um único movimento. Fosse música, diria que ela tem tudo dos compassos e descompassos de uma rica e ondulante sinfonia. O vai e vem das reflexões, o toque aforismático, o calor da prosa poética, o destempero de perplexas indagações, o ritmo entrecortado das frases, a força semântica das reticências, o sabor das palavras de conteúdo entre melancólico e esperançoso, a dubiedade do pensamento, o sangue lusitano das imagens, tudo, tudo contribui para fazer dessa obra uma coisa viva, na qual a concretude carnal do verbo se põe a serviço da mais refinada espiritualidade.

O turista aprendiz, de Mário de Andrade, nada mais é que um livro de viagens. Mas viajar é preciso, viver não é preciso, como diria o poeta. Quem viaja se dispõe a se apropriar do mundo, a encontrar-se com a diferença, a dialogar com o outro, reinventando-se a si mesmo na secreta e sagrada aprendizagem de novas experiencias. Mergulhando no interior do Brasil e sorvendo as ofertas do seu variado acervo etnográfico e da ética lírica dos recantos rurais, ribeirinhos e agrestes, Mário redescobre esse imenso país e mistura, no alguidar dos vocábulos, o limpo caldo da ciência com os temperos eróticos da poesia. O turista aprendiz é como uma aula prazerosa, e como uma aula prazerosa, não acaba. Permanece viva na memória dos sentidos e na lembrança dos afetos.

É isto um homem?, de Primo Levi, é o típico gênero testemunhal. Para poder sobreviver no campo frio de Auschwitz, o escritor italiano escreve, com palavras de sangue como diria Nietzsche, o mais pungente documento acerca do holocausto. Na intensidade de sua prosa, o singular de uma experiência desumana adquire estatuto de universalidade, uma vez que os fatos cruéis e dolorosos, ali relatados, transcendem a suas circunstâncias históricas e dizem respeito a todos como uma manifestação do mal. É um livro amargo, mas, nele, palpita implicitamente algum toque de esperança.

Esses livros merecem, portanto, o eterno amor dos leitores. Esses três e muitos mais.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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