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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

As muitas vidas de Walter Galvão

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publicado em 07/07/2022 às 08h37
atualizado em 07/07/2022 às 06h36

Domingo passado fui comprar a Folha de São Paulo, na mesma banca, em frente do mar e do Mercado de Peixes de Tambaú, como quem procura um Silabário, para ensinar signos a uma nova pessoa. É sempre assim.

Algo que mostrasse um filme, não o que fiz na década de 80, “Os Mortos Mandam Lembranças”, mas para entender porque perdemos nossos amigos, amores, seus gestos, conhecimentos e inquietações.

A visão do largo é larga, chovia e o guarda-chuva era puxado pelo vento, mas o fogo da vida estava ali. O viajante não sou eu, mas o pescador que traz o peixe do mar.

Na canção de Zé Manoel, ele pede a Oxum que venha buscá-lo, caso ele se perca, porque ele é pescador e não sabe remar. A canção é “Rio das Lembranças”. Pena que Galvão não conheceu a obra desse imenso pernambucano, pianista que toca no cedê “Noturno” da cantora Maria Bethânia.

É exatamente através dessa vela, desse viés, se misturando ao movimento dos barcos, com imagens de pescadores, que eu vejo Galvão no largo da paixão, cujos lugares tão preenchidos e escassos batem na solitude dos corações da mulher Jória e da filha Clarice. No meu, no teu, dos irmãos, dos amigos. São tantos.

Galvão, um rapaz que fez sua viagem há exatamente um ano.

Eu abro a janela do carro e vejo as árvores enormes do largo de Tambaú, vejo negros e brancos, crianças e idosos e o passeio dos jovens em seus patins e bicicletas. E vejo Hamlet, o príncipe que me assusta mais que Shakespeare, com uma densa possibilidade resistir. Galvão e suas vidas. Muitas vidas.

Um dia, ele me disse: “Mestre K, já que estás lendo os policialescos de Leonardo Padura, veja os filmes também”. Eu gostei muitos dos filmes, mas acho longa a história do homem que amava os cachorros. Mas é tão bom amar os cachorros…

Algo em Galvão me lembra Carlitos. Certamente, a maneira como ele corria na calçada da praia.

O beijo acanhado dele era mais que a intensidade desse rolê, onde já estão prédios demais e casas de menos. Aliás, derrubaram a casa azul da avenida Nego. Eu não nego, Galvão está na sombra da cidade, onde ele ficou emoldurado.

Um cavalheiro andante, politicamente incorreto, que nem eu.

O gesto dele acanhado no interior da banca de revista sem fugir da notícia, pelo hábito amoroso de ir comprar a Folha impressa aos domingos  para sua mulher, Jória Guerreiro.

Quando o câncer do meu pai avançou e eu estava longe de mim, lembro dele cantando canções ou assobiando. As pessoas diziam que ele estava delirando, mas delirar é bom, né? Toda vez que ouço passei a noite procurando tu, fico arrepiado.

Quando não calamos a saudade olho no olho, como seres atravessados de um mesmo relâmpago ou na luz de um arco-íris, talvez um vagalume, um Totem abrindo caminho no escuro, eu me animo e deixo de ser um homem imaginário, o homem imaginário que Walter Galvão era.

Kapetadas/Galvanizadas

1 – “O homem vitima do ódio do homem”. dele

2 – “Amanhã a luta refeita”, dele

3 – “Os bailes em que cantei, as juras de amor que ouvi”, dele

4 – Eu vi a passagem da vida plena, e de tão bela parecia de passagem”, dele

3 – Som na caixa: “Tenho o caminho do que sempre quis, e um Saveiro pronto pra partir”, Milton Nascimento.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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