João Pessoa, 18 de junho de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
maispb entrevista

Zeca Baleiro apresenta novo CD e endurece crítica a Bolsonaro: “Governo patético”

Comentários: 0
publicado em 18/06/2022 às 11h46
atualizado em 18/06/2022 às 15h00

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

Fotos – Diego Ruahn

O novo disco de Zeca Baleiro, “Canções d’além-mar”, com que o artista levou, em 2021, o Grammy Latino de melhor álbum de música popular brasileira, tem como fio condutor a obra de artistas portugueses.

Para celebrar, o artista maranhense acaba de disponibilizar nas plataformas de streaming a edição deluxe do disco, com duas faixas bônus, além do videoclipe animado de “O Homem do Leme”, ( criação e direção de Marcos Faria) – sua releitura do grupo pioneiro de rock português Xutos e Pontapés, em atividade desde a década de 1970. A outra canção é “Inquietação” de José Mário Branco.

“Canções d´Além-mar” é, na verdade, uma carta de amor de Zeca Baleiro a autores portugueses como Sérgio Godinho, Pedro Abrunhosa, Fausto, Zeca Afonso, Rui Veloso e Carlos Tê, Jorge Palma, Antônio Variações, Ornatos Violeta, Vitorino, João Gil e João Monge, e José Cid. A arte do álbum tem a assinatura do artista plástico Elifas Andreato, falecido este ano.

Na verdade, essa história de amor entre Zeca Baleiro e Portugal vem de longe. Em 1999, no projeto “Navegar é Preciso”, um encontro entre artistas brasileiros e portugueses em São Paulo, Zeca dividiu o palco com Pedro Abrunhosa – o primeiro artista português com quem partilhou o palco.

Desde 2000, Baleiro tem realizado bem-sucedidos espetáculos em Portugal, em temporadas regulares. Em 2001, a convite de Sérgio Godinho, se apresentou pela primeira vez para um grande público em Portugal, na Festa do Avante. E foi Jorge Palma o compositor português que ele primeiro gravou em disco. Em 2006 registrou “Frágil” como faixa-bônus para o CD “Baladas do Asfalto e outros blues”, lançado primeiramente em Portugal. A gravação o aproximou de Palma, a ponto de dividirem o palco no Rock’n’Rio Lisboa 2010. Também dividiu o palco com o grupo “Clã” em duas oportunidades – em show na Praça do Comércio, em Lisboa, e no Teatro Sesc Pompeia, em São Paulo.

Baleiro conversou com o MaisPB e contou em detalhes essa paixão lusitana, a produção desse disco e fala da sua amizade e parceria com o cantor e compositor paraibano, Chico César.

MaisPB – O clipe – “O Homem do Leme” -, dá vontade de festejar essa vida, que andava perdida e a canção chega para nos acalentar. Vamos começar por aí?

Zeca Baleiro – Pois é… A arte tem sido uma grande aliada de nós, brasileiros e brasileiras, nestes tempos sombrios. Por isso também a opção de fazer um clipe de animação, com direção do genial amigo Marcos Faria. Um clipe colorido, lúdico, cheio de esperança. Um acalanto, como você diz.

MaisPB – Como você conheceu a banda portuguesa Xutos & Pontapés ( aliás, o nome da banda é ótimo, parece com as coisas da gente do Nordeste) – conta aí, vocês já se cruzaram?

Zeca Baleiro – Conheci pelos discos primeiramente. Tempos depois, tocamos na mesma noite em um festival em Cabo Verde, jantamos juntos, foi divertido. É uma banda icônica de Portugal, e tem uma obra imensa e influente. Sim, podia ser uma banda nordestina punk.

MaisPB – A canção “O Homem do Leme” está na edição Deluxe do álbum “Canções d’Além-mar”, premiado na 22ª edição do Grammy Latino como “Melhor Álbum de Música Popular Brasileira”. Já é um pontapé para mil coisas não é?

Zeca Baleiro – O Grammy foi uma grande surpresa, não esperava de fato. Estava feliz e lisonjeado com a indicação, pois a considero já um prêmio de certo modo. Mas claro que gostei de ganhar o prêmio, é o reconhecimento de um trabalho dedicado e cuidadoso, que respeita a inteligência do público. E não deixa de ser irônico que o prêmio de Melhor Álbum de MPB seja um disco dedicado a canções portuguesas.

MaisPB – “Canções d´Além-mar” foi lançado com 11 canções que saíram de um montante de 40 músicas. Não foi fácil, né?

Zeca Baleiro – Nada fácil. Desde a origem da ideia do álbum, passaram-se 14 anos. Ouvi muitos discos e muitas canções até me resolver por esse repertório. Reuni no álbum canções que gosto de cantar ou nas quais vi possibilidade de uma releitura interessante. A ideia era aproximar essas canções do meu universo sonoro. O critério, como sempre em meus trabalhos, foi afetivo mesmo. Aqui estão canções portuguesas de que gosto muito. E que acabam por fazer um resumo razoável da produção musical portuguesa dos últimos 50 anos.

MaisPB- O disco é todo belo, com algumas canções que dão vontade de dançar, pensar, agir….

Zeca Baleiro – Que bacana ler isso. O disco é uma homenagem amorosa à música portuguesa, acho que reflete isso.

MaisPB- A propósito, “Canções d ́Além-mar” é uma carta de amor sua para os autores portugueses, certo? Cartas de amor nunca são ridículas, não é?

Zeca Baleiro – Boa. Nunca são, já bradou o bardo.

MaisPB – A canção “Inquietação”, de José Mário Branco, saiu agora. Pode falar dessa faixa?

Zeca Baleiro – José Mário Branco é um artista muito instigante, com uma abordagem musical e poética muito original. “Inquietação” é um genuíno “standard” português. Eu tentei desviar dela, mas foi impossível, pois é uma grande canção. Na minha versão, ela ganhou ares de fado country.

MaisPB – Acho que foi este ano que você e Chico César lançaram o clipe de “Respira”, uma das mais de 20 canções compostas ao longo do período de isolamento e que marcou a retomada da parceria inaugurada há quase 30 anos. Animados pelo resultado das novas parcerias musicais, Chico e Zeca lançaram o duplo single “Lovers + Respira” e anunciaram o lançamento de um álbum juntos para breve. Quando teremos esse álbum tão esperado?

Zeca Baleiro – Tanto eu como Chico compusemos bastante durante a pandemia e nos envolvemos em vários projetos. Estamos produzindo nosso disco em parceria, com calma, que deve sair até o fim do ano, falta pouco. Antes vai rolar um álbum meu em parceria com Vinícius Cantuária. Este deve sair dia 1º de julho e se chamará “Naus”.

MaisPB – É lindo você cantando Alma Não tem Cor, no show “Calma, ai Coração”. Você sempre mistura as palavras com uma base cultural forte. Nada vem de graça, é Baleiro?

Zeca Baleiro – Sou de uma geração que cresceu nas ruas, ralando os pés no mato ou no asfalto, criando a “casca” da rua. Isso nos deu matéria-prima pra muita coisa, inclusive pro meu trabalho artístico. Acho que tudo vem dessa vivência, sabe?

MaisPB – Estamos perto de um Brasil melhor, tão castigado ultimamente, tanto racismo, Covid etc?

Zeca Baleiro – Crescemos acreditando que o povo brasileiro era gentil, afetuoso, hospitaleiro, e agora vemos um novo paradigma de comportamento sendo associado ao brasileiro: violento, intolerante e sociopata. A prova maior dessa mudança é a eleição de um sujeito despreparado e ignorante, que beira a psicopatia. Nossa difícil missão é resgatar o brasileiro amoroso, solidário, sociável e musical. Esse governo patético vai passar e não vai deixar rastro, afora o da destruição. Precisaremos reconstruir o Brasil, e a arte e a cultura serão muito úteis nesse processo. O povo brasileiro tem sofrido muito nos últimos anos, precisamos recuperar nossa alegria.

Assista ao clipe aqui Zeca Baleiro – O Homem do Leme 

Leia Também