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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Fronteiras da Literatura

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publicado em 18/03/2022 às 07h07

A compreensão dos nossos próprios caminhos provoca emoções intensas. Talvez só a compreensão de si, somada à valorização da nossa cultura originária, consiga nos tocar de forma mais profunda. É essa autoanálise cheia de camadas que Amós Oz, escritor judeu, realiza no livro De amor e trevas. Ao mesmo tempo em que recria suas memórias de infância, conta a história de Israel.

É impossível dissociar seus fragmentos de intimidade da pluralidade judaica. Afinal, o autor lembra da aflição durante a votação da ONU para fundar o Estado de Israel e, filho de bibliotecário, sabe a importância de ter uma linguagem oficial, o hebraico, para seu povo. Sua vivência particular se entrelaça com os caminhos religiosos por todo o livro, mesmo quando há conflitos com a comunidade. Os pais de Oz tinham altas expectativas quanto à vida em Israel, e apesar da refinada erudição, não atingiram seus objetivos intelectuais e profissionais na terra almejada.

A obra parece um exercício também de expurgação de culpa em relação aos pais do autor. A mãe de Oz cometeu suicídio quando ele era pequeno e, inevitavelmente, a dor estremeceu suas outras relações interpessoais. De forma sensível, Oz utiliza a escrita como ferramenta para exercitar o perdão à família – e especialmente, a ele mesmo.

Se é um livro belo por seu panorama histórico e pela sensibilidade narrativa, torna-se ainda mais interessante para leitores ávidos. O abundante acervo cultural de Amós Oz transparece entre as páginas e os mais banais acontecimentos ganham cor, já que ele os descreve tomado por referências literárias. Na peça shakesperiana Sonho de uma noite de verão, um diálogo entre Teseu e Hipólita propõe que a qualidade das obras depende da imaginação do público. Oz reverbera a ideia a seu próprio modo, utilizando Dostoiévski para elaborar seus questionamentos: por que pensar tanto na relação entre autor e obra, se podemos imaginar a relação do personagem com a nossa vida? É a nossa imaginação que navega as fronteiras da Literatura. Nesse sentido, Amós Oz (foto) é um excelente guia.

Foto – EDWARD KAPROV

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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