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MaisPB Entrevista

Denise Emmer revisita quatro décadas de carreira em álbum

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publicado em 05/03/2022 ás 12h01
atualizado em 05/03/2022 ás 15h39

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Fotos: Daniela Dacorso, Luiz Felipe Araripe e G. Gerhardt

Com uma carreira longeva e premiada também na Literatura, a cantora, compositora e instrumentista Denise Emmer, disponibilizou diversos álbuns por streaming e lança o single “Setembro Antigo”, além de resgatar o LP “Cantiga de Verso Avesso”, gravado em 1992 não lançado, com participações de Alain Pierre e Jaques Morelenbaum.

Há mais de 40 anos, Denise Emmer conquistou o país com a canção “Alouette”, tema da novela “Pai Herói” (1979), da TV Globo, escrita por sua mãe Janete Clair. Tocada em emissoras de rádio de todo o país e lançada no ano seguinte em compacto simples, a canção romântica em francês alcançou a marca de 300 mil cópias vendidas, rendendo um Disco de Ouro e participações na TV, como no programa “Fantástico” (TV Globo).

Nascida em uma família de artistas, seus pais, os escritores Janete Clair e Dias Gomes, e seus irmãos, os músicos Alfredo e Guilherme Dias Gomes, Denise já despontava precocemente, na adolescência, também na literatura com seu primeiro livro “Geração estrela” (Paz e Terra, 1976), que tem o prefácio de Moacyr Félix, seguido de, “Flor do milênio” (Civilização Brasileira, 1981), com texto de orelha assinado também pelo saudoso poeta.

Os discos “Pelos caminhos da América” (1980) e “Mapa das Horas” (2004) já se encontram nos canais de streaming – até outubro serão lançados ainda seu LP de canções autorais “Canto Lunar” (1983) e o CD Cinco Movimentos e um Soneto (1995), com poemas de Ivan Junqueira musicados pela artista. Além destes, a cantora e instrumentista resgatou um álbum totalmente inédito, gravado em 1992, porém não lançado na época. Musicando seus próprios poemas publicados no livro “Canções de acender a noite”, o disco “Cantiga do verso avesso”, já disponível nas plataformas, contou com arranjos de Alain Pierre e violoncelo de Jaques Morelenbaum – ambos parceiros constantes em toda a discografia de Denise – além da participação da própria artista na flauta doce, teclado e vocais. Com forte influência da música renascentista e ibérica, o disco traz letras autorais e uma faixa escrita no Português antigo do século XV:

Destaque também para as faixas “Casa da infância”, “Cantiga da estrela barca”, “Cantiga da noite mágica”, “Canção do inverno”, “Gira noite” e “Cavaleiro do Rio Seco”, uma homenagem ao compositor e cantor Elomar.

Ela integra desde 2001, como violoncelista, a Orquestra Rio Camerata bem como quartetos de cordas, trios e outras formações camerísticas. Atividade sempre desempenhada em paralelo às canções, a Literatura alçou Denise Emmer aos mais elevados patamares da profissão, recebendo muitos prêmios e com publicações também em Portugal, traduções na Espanha, Turquia e EUA. Seu quarto livro, “A equação da noite” é um divisor especial para a poeta, quando assume a própria dicção e cria poesias sobre as grandezas maiores do amor e da morte, como consequência de grandes perdas. Seu livro “Invenção para uma velha musa” (Ed. José Olympio) lhe rendeu dois importantes prêmios: Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras.

Em entrevista ao MaisPB, a artista comenta sobre esse disco “Cantiga de Verso Avesso”, gravado em 1992 que agora está nas plataformas, sua produção atual, o single as publicações literárias, sobre o Brasil e seus pais Dias Gomes e Janet Clair.

MaisPB – O disco “Cantiga do verso avesso”, são poemas de seu livro “Canções de acender a noite”, você já tinha gravado 1982 e agora com novos arranjos, parece um concerto. Vamos falar sobre essa novidade agora nas plataformas?

Denise Emmer – O disco Cantiga do Verso Avesso, de fato, eu gravei em 1992, e, por questões do momento, sequer divulguei na época. A maioria das faixas são poemas do meu livro Canções de Acender a Noite (1982 Ed. Civilização Brasileira). Eu poderia ter optado por prensar em CD, mas por questões financeiras acabei prensando em disco. Por essa razão, houve agora um minucioso trabalho de recuperação do áudio que estava problemático. Esse foi um trabalho do músico Alain Pierre Magalhães, que trabalha a maioria dos meus arranjos. Não fizemos outros arranjos. O disco está na versão original, com alguns instrumentos inseridos para melhorar a qualidade técnica. Então, como nunca foi lançado, e é uma produção totalmente independente, sem vínculos com gravadora ou distribuidora, trata-se de uma novidade nas plataformas digitais. E o álbum merece ser conhecido, por isso o lançamento mesmo que tardio.

MaisPB– A segunda faixa “Casa da Infância”, é uma homenagem à sua mãe? A letra é linda.

Denise Emmer – Sim, a faixa Casa da Infância foi composta mais de dez anos após o falecimento de minha mãe. Não é um poema do livro citado acima. Remete a uma lembrança que guardei dela, quando já muito doente ficava na janela do nosso apartamento do Leblon vendo a vida passar e a me ver caminhar na direção da praia. Na verdade, é uma canção que se despede das alegrias da primeira juventude, tais como a casa onde morávamos, o cavalo branco, o primeiro namorado, e é claro a minha saudosa mãe. A despedida de um ciclo da vida que se encerrou com a sua partida.

MaisPB – Tudo é difícil no Brasil de hoje, mas como você consegue mesmo vindo de longe, ser escritora, poetisa e cantora?

Denise Emmer – Creio que no Brasil, hoje, é difícil viver. Para artistas e não artistas. Para quem traz uma proposta de algo melhor que valorize a vida e não o interesse de alguns, voltados para o avesso da solidariedade e do amor ao outro. Como posso ser poeta, compositora-cantora, instrumentista. Faço uma coisa de cada vez. O que não dá para parar durante muito tempo é o estudo do violoncelo, pois se fico muitos dias sem tocar, perco a técnica e a digitação. E sentimos a falta um do outro. Eu e o meu violoncelo, instrumento que iniciei os estudos com 30 anos, mas que me dá momentos de muita alegria.

MaisPB – A terceira faixa “Cavaleiro do Rio Seco” é quase um mini conta, que traz essa história de ficar na janela e ai vai crescendo nos ares de uma aprendiz. Vamos falar dessa canção?

Denise Emmer – A terceira faixa, Cavaleiro do Rio Seco, tem uma letra com muitas imagens poéticas tais como: (…) debruçada na janela fico à espera de alguém passar\ passam sete bois voando\ um aeroplano sem ninguém soprar (…) e segue no clima surreal da poesia que leva para um outro mundo nunca visitado, quando canta: (…) surgem sete estrelos moços\ aí, mas que desgosto não saber voar\ senão eu ia ligeiro até meu cavaleiro sempre a me tentar(…). Essa canção de letra tão poética, confesso que compus para o grande compositor Elomar Figueira de Mello, que sempre admirei. A atmosfera mágica de quem está à beira do espaço junto às estrelas quando o mundo parece ter um significado de sonho e mistério.

MaisPB – Segue cantando “Cantiga da Estrada Barca”. As canções se casam, uma mostra lembranças e a outra liberta. É forte sua ligação com a natureza, a melancolia?

Denise Emmer – Já, a Cantiga da Estrela Barca, segue no mesmo clima de encantamento poético, porém sem a felicidade plena que a outra sugere, ou seja, dessa vez pede a uma estrela, que também é barca que a leve para um lugar longe do triste lado da noite. Nesse caso, a noite tem o significado da tristeza, do medo do escuro. Do desalento. Há uma saia de linho e espinho que fere, quando a “velha madrugada velha” é hostil.

MaisPB – Vamos falar de 1979, quando você conquistou o país com a canção em francês “Alouette”, tema de novela?

Denise Emmer – A canção Alouette foi composta originalmente em português com o título de Romeu e Julieta. Inspirada no amor impossível do casal de Shakespeare. Aquele trecho em que Julieta pede para Romeu não ir embora, pois ainda é noite e o pássaro que canta é o Rouxinol e não a Cotovia que anuncia o dia. Ocorreu que os produtores musicais me ouviram cantá-la em minha casa e me propuseram fazer uma versão em francês, idioma que conhecia. O resto todos já sabem. O sucesso da noite para o dia e eu, muito jovem, 20 anos incompletos, sem estar preparada para tamanha mudança. Fato é que a vida errante de cantora me apavorava e sentia pânico toda a vez que entrava no palco para cantar. Foi uma fase

difícil emocionalmente, apesar de muitos acharem que a fama e o sucesso representam tudo. Para mim não foi bem assim. Minha personalidade estava mais para uma menina poeta que se refugiava na solidão do quarto para escrever poemas e compor músicas.

MaisPB – Na sequência vem “Cantiga da Noite Mágica”, aqui o signo é a lua, a noite, navios, tendas e madrugadas. Comente aí essa bela canção?

Denise Emmer – Em Cantiga da Noite Mágica, também um poema musicado, prossegue o clima poético com imagens reveladoras de uma situação amorosa ideal ou mesmo platônica. As redes lado a lado como luas imaginárias, num balanço das brumas da noite e igualmente embalado pelas estrelas. Em todos os poemas musicados a atmosfera amorosa e de sonho são uma temática condutora.

MaisPB – Como você considera o potencial dos músicos Alain Pierre e violoncelo de Jaques Morelenbaum nesse disco e nos outros?

Denise Emmer – Os músicos Alain Pierre Magalhães e Jaques Morelenbaum, já são consagrados por seus trabalhos como regentes, arranjadores e, no caso do Jaques, internacionalmente como o maestro do Tom Jobim. Igualmente é um grande violoncelista de formação clássica que enveredou pela boa música popular brasileira.

MaisPB – Você já tem 22 livros escritos. São todos de poemas?

Denise Emmer – Sim. 22 livros publicados. Dezoito de poesia, três romances e um de contos. Dois já foram publicados em Portugal e muitos poemas traduzido para o espanhol, turco, inglês, com participação em várias antologias. Na carreira literária, ganhei relevantes prêmios tais como ABL (Academia Brasileira de Letras) de Poesia, APCA ( associação paulista dos críticos de arte), Olavo Bilac da ABL, o prêmio latino americano : José Marti da Casa Cuba Brasil ( UNESCO pelo conjunto de obra, Pen Club do Brasil poesia, Pen Club do Brasil romance, e muitos da União Brasileira de Escritores.

MaisPB – Você musicou os poemas de Ivan Junqueira no CD Cinco Movimentos e um Soneto (1995). Vamos falar desse trabalho?

Denise Emmer – A poesia do Ivan Junqueira me pareceu bastante sonora e musicável, então resolvi compor a sequência dos Cinco Movimentos em forma de suíte. Ou seja, a primeira introdutória apresentando as tonalidades e estilo e as outras como movimentos consequentes. Certamente é o meu trabalho musical mais elaborado e quase clássico, onde os movimentos (músicas) não se prendem a letra, mas desenvolvem o instrumental. O último movimento, finaliza com o instrumental remetendo a todos os outros.

MaisPB – Nesse disco novo você toca flauta doce, teclado e vocais. vamos comentar sobre essa sua faceta de instrumentista e musicista?

Denise Emmer – Devo dizer que na maioria dos meus discos toco instrumentos. Aprendi piano na infância, e o violão descobri sozinha, bem como a flauta doce, o charango. O único instrumento que estudo diariamente e fiz uma faculdade para aprender a tocar é o violoncelo. Este, o meu escolhido para aperfeiçoar e tocar com melhor desenvoltura. Apesar de tocar piano e violão, digo que não sou pianista, nem violonista. Esses dois instrumentos são harmônicos, e me servem para a composição. A maioria das minhas músicas componho no piano.

MaisPB – Como é seu trabalho na Orquestra Rio Camerata?

Denise Emmer – Hoje, sou o primeiro violoncelo na Orquestra do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro. Toquei na Orquestra Rio Camerata de 2001 a 2012. Uma Orquestra tradicional do Rio, regida pelo Maestro Israel Menezes, onde só tenho ótimas recordações e devo muito do meu aprendizado como musicista. O repertório dessa orquestra é essencialmente erudito, bem como a do Conservatório. O que muito me agrada, pois tocar mestres como Bach, Mozart é um grande aprendizado e extremamente recompensante.

MaisPB – “Aquestas Manhãnas Frias”, parece um fado e ao mesmo tempo um ofertório. Poderia falar dessa maravilha?

Denise Emmer – Aquestas Manhãnas Frias é uma canção que tem características da música renascentista. Na verdade, ao meu entendimento, poderia passar por uma canção daquela época. A letra escrevi no português falado em 1500, ainda muito ligado ao espanhol. Os instrumentos também são de época, como o alaúde, a flauta doce, e os vocais que sugerem um madrigal, que é um estilo de canto do sec. XV e XVI. Tenho outras músicas no mesmo estilo que estão no meu outro CD Mapa das Horas, também disponível nas plataformas digitais.

MaisPB – Você tem muitas lembranças de seus pais, como era a convivências com eles?

Denise Emmer – As lembranças de meus pais não se apagam com o tempo. Guardo-as em minha memória e em minha alma. Ambos, pais dedicados e carinhosos, cada qual do seu jeito, principalmente, o legado de um aprendizado de sabedoria humana. Valores essenciais que hoje parecem esquecidos, enquanto vivemos em um mundo embrutecido onde a solidariedade parece uma questão obsoleta. Devo dizer também que apesar de não serem músicos nem poetas, (mas grandiosos escritores) sempre nos incentivaram, a mim e a meus irmãos a prosseguirmos com nossas vocações não convencionais.

MaisPB – E o single Setembro Antigo?

Denise Emmer – Foi composto há poucos meses e mereceu um videoclipe que até o momento está com mais de 30 mil visualizações. O poeta paulista Álvaro Alves de Faria dedicou-me o belo poema, que ao lê-lo pela primeira vez, a melodia chegou-me à mente junto com os versos. Logo a harmonizei no piano e senti que se tratava de uma canção balada pop. Arranjo do Alain Pierre, o violoncelo de Jaques Morelenbaum e os vocais feitos por mim e Alain. Junto com o álbum inédito Cantiga do verso avesso, o Setembro Antigo faz parte do lançamento.

MaisPB – As letras desse disco são bem literárias. Proposital?

Denise Emmer – As letras, poderiam ser consideradas literárias por se tratar de poesia. Porém, há uma certa música que transparece em cada uma delas, assim, elas se inserem espontaneamente nas canções compostas. Creio que a poesia também é música das palavras. Vejo dessa forma. Se não seria prosa.

MaisPB – Quem é Denise Emmer?

Denise Emmer – Quem é Denise Emmer… poderia responder com a máxima filosófica conhece-te a ti mesmo de Sócrates. Uma saída para dizer que ninguém sabe a fundo quem é. Ou quem deseja ser. Ou quem não desejaria ser. Poucas coisas sei de mim, porém digo que sou uma poeta que escreve músicas ou uma compositora que escreve poesias e as canta. Sou uma equilibrista que dá passos cuidados entre dois mundos, o da música e o da poesia. Alguém dividido por duas vocações e que passou a vida tentando não superar a outra, pois ambas são parte de algo maior que é o Ser. O Estar no Mundo.

OUVIR o disco INÉDITO “Cantiga do Verso Avesso” – https://open.spotify.com/album/4fkufMHrxcYsR2YeB6xkh0
 
– Single inédito e clipe  “Setembro Antigo https://www.youtube.com/watch?v=dbVHtPLoyEs&feature=youtu.be