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A professora Erika Marques, Reitora do Centro Universitário Uniesp, é doutora em Psicologia Social – UFPB, Mestre em Desenvolvimento Humano – UFPB, tem MBA em Gestão Universitária pela Georgetown College e é especialista em Planejamento, Implementação e Gestão em Educação à Distância pela UFF. @profaerikamarques

Senhores da nossa guerra

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publicado em 04/03/2022 às 07h22

Atualmente, um dos assuntos mais comentados no mundo (com toda razão devido a sua importância) é a guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Como não sou especialista para discorrer tecnicamente, não vou me ater aos detalhes nem sobre a complexidade da mesma.  O fato é que civis alheios a qualquer gerência sobre a situação dos seus países em guerra são convocados à batalha e a entregarem suas vidas em busca de objetivos que muitas vezes divergem dos seus. Famílias são destruídas, filhos se separam das suas mães, maridos das suas esposas e filhos.  Muitos sonhos e vidas sendo bombardeados e abatidos.

Em uma canção no início dos anos 80, a banda Capital Inicial descrevia essa condição: Vindo de todas as partes, mas indo pra lugar algum, assim caminha a raça humana, se devorando um a um. E assim retratavam a guerra em seus diversos modelos.

Enfrentamos inúmeras guerras no nosso dia a dia, que obviamente não tem as dimensões de uma grande guerra entre nações, mas muitas vezes são banalizadas e normalizadas em nosso cotidiano por não serem um evento impactantemente excepcional. Fome, racismo, preconceito, são apenas exemplos de guerras diárias, de sobrevivência e de lutas constantes pelo simples motivo de exercer o direito pela vida. Os oponentes dessas guerras? São invisíveis, agressivamente articulados e imbatíveis, moram ao lado, e ao contrário da guerra armada, por não visualizarem concretamente o sofrimento do outro lado, seguem firmes em seus ataques.

Um bom exemplo de guerra vivencia-se nas redes sociais em um combate muitas vezes injusto no qual pessoas atacam outras sem o menor limite ou ponderação, sem medir espaços, em um enfrentamento que não tem fronteiras e deixa muitos feridos. Inclusive vale ressaltar que não são apenas tanques de guerra e metralhadoras que matam, o mundo paralelo das redes sociais já fez várias vítimas fatais e contra tais não existe declaração de paz, pois não há um objetivo ou uma conquista a ser alcançada além da destruição de vidas.

A busca pelo poder e pela supremacia é percebida em várias outras situações causadoras de sofrimento, e é explicada pelo dito popular: Quer conhecer uma pessoa, dê poder a ela. Seja nas grandes guerras ou nas guerras diárias, a mola mestra do poder está presente como propulsora no nosso dia a dia e impulsiona mais derrotas que vitórias. Em sua ávida busca da vitória sobre o outro, algumas pessoas podem ser comparadas a tanques de guerra que passam por cima do suposto inimigo sem “dó nem piedade”.  O ter poder nesses casos é o exercício nocivo do empoderar-se por meio da diminuição do outro, alimentando o ego dos maiorais, suprimidos do bom senso e do olhar sob outras perspectivas que não sejam a sua.

Ter razão é a primeira ordem, é a baliza do pensamento em busca de motivos seletivos e de interpretações parciais de uma certeza pré-estabelecida. Na guerra dos relacionamentos interpessoais como exemplo, todos querem ter razão, não importa a interpretação nem os sentimentos, quando tudo se resume quantitativamente convergindo com apenas um lado.  São dois mundos, duas verdades que se impõem como certas e nas quais quando estabelecida a guerra, a arma mais eficaz é esquecida, a empatia.  Na guerra não se ouve, não se respeita e não se chega à paz enquanto não houver um vencedor, que por sua vez precisa da existência de um perdedor. Nessa configuração, o fato é que todos perdem.

Existem também as nossas guerras interiores em busca da razão, nossas escolhas, o pensamento sobre o que fazer, como articular, e obviamente, como vencer as nossas batalhas diárias. A famosa dicotomia afetiva é um belo exemplo do que acontece na guerra entre razão e emoção. A busca pelo sucesso, pelo status, e pela vaidade é constante, pois as pessoas anseiam o reconhecimento do outro por suas vitórias, e apesar de ser um termo muito subjetivo, são movidos em uma busca infinita e muitas vezes solitária, de sempre querer mais. Em uma batalha sem fim, ao alcançar algo, de imediato o sentimento de vitória é satisfeito, a guerra é tida como vencida e se iniciam novas batalhas. Com uma saciedade cíclica, o embate não cessa e a vida passa.

Ao final, entendemos que é preciso permitir-se a não ter que ganhar sempre, a não ter razão em alguns momentos e principalmente, a não potencializar aquilo que não tem relevância, permitindo-se sentir o sentido literal da paz.  Por fim, compreender que na guerra (seja ela qual for) não existem vitórias plenas, apenas a certeza de muitas perdas.

Não existe guerra boa nem paz ruim (Benjamim Franklin).

Declare paz e seja feliz.

( A ilustração é uma cópia da obra de Pablo Picasso, pintada em  Abril de 1937)

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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