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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]

 

Quadrinhos e censuras

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publicado em 18/02/2022 às 07h09

Em um país que assegura a liberdade de expressão como um pilar constitucional, casos de censura são, inevitavelmente, chocantes. Ainda mais se considerarmos o passado recente do Brasil, em uma Ditadura Militar que silenciava as vozes dissonantes de forma violenta. Não é como se o Brasil de hoje estivesse imune à ignorância: o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, censurou uma história em quadrinhos com personagens homossexuais na Bienal do Rio de 2019, causando indignação coletiva. Em contrapartida, o YouTuber Felipe Neto comprou e distribuiu, no mesmo evento, 14 mil exemplares de livros que acolhem a diversidade, embalados com um adesivo: “”Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas.”

Nos Estados Unidos, a remoção de conteúdo importante para a formação humana dos leitores também existe. Coincidentemente, a última polêmica envolveu uma história em quadrinhos. No Tennessee, um conselho escolar votou pela remoção de Maus, graphic novel de Art Spiegelman, do currículo escolar, sob a justificativa de que o livro contém linguagem imprópria (como expressões que podem ser traduzidas como “maldição!”) e cenas de nudez. Enquanto o conselho se preocupa com isso, cabe perguntar se houve preocupação com o real teor da história.

Maus é vencedor do Prêmio Pullitzer e apresenta o holocausto em conversas do autor com seu pai, um sobrevivente da tragédia. É um livro maduro, impactante, que relembra os campos de concentração e as lutas por sobrevivência. Com alegorias animais representando judeus, nazistas e americanos, o livro não deixa de ser triste e real. A leitura e discussão de textos de cunho tão forte em matriz escolar permite que essas histórias não se repitam.

A criação de Art Spiegelman não é a única graphic novel a falar de coisa séria. Marjane Satrapi também destaca situações políticas e sociais em suas obras, como na famosa Persépolis, que retrata a vida de uma jovem menina no Irã, enquanto o país se transformava em uma república islâmica teocrática. Boicotar histórias que ampliam a visão de mundo de seres em fase de formação limita a perspectiva deles e os fecha em uma bolha de valores. Resta torcer para que a remoção de Maus do currículo de tal escola desencadeie um efeito Streisand: quando uma tentativa de censurar uma informação surte efeito contrário, resultando na vasta replicação do conteúdo censurado.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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