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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Não existe mais a cidade

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publicado em 11/01/2022 às 06h52
atualizado em 11/01/2022 às 05h17

Voltei ao centro da cidade, agora para ficar outra temporada. Não sei até quando. A cidade não lembra mais de mim. As ruas cobram pernadas e os mendigos resmungam a cada esquina. Há poucas rodas de automóvel.

Raízes de árvores da Praça João Pessoa, saltam da pele. O chão que não nega dormida a muitos e, de algum modo, sempre sobre ele, aquilo que a gente chamava ao entardecer de sereno.

Um prédio antigo de muitos andares, são tantos, o Edifício Regis, só falta cair. Lá longe a imagem da Eletropeças, com sons em detalhes dos antigos lançamentos dos discos de Roberto Carlos. Os homens da área recortados nas paredes não avançam.

Com blusas ou sem calças, as putas do Pavilhão do Chá não parecem as mesmas. A pandemia devastou a profissão. Um velho toma uma lapada da Rainha, agarrado a uma delas. É quase um filme, nunca é a repetição do orgasmo simulado.

De novo a cena aperta meu coração, querendo logo a hora do almoço, no calor das bandejões num lugar próximo ao escuro do antigo Cinema Plaza e a lembrança de bocas e bundas na tela.

Ali na cidade não existe amor, se existir é um picadinho de carne de segunda, um chapéu enterrado na cabeça e o vapor que migra da virilha subindo e ofuscando a visão. Onde está a ferradura da sorte, meu amor?

Saio na carreira pela avenida Duque de Caxias, procurando uma morena de endoidecer, que acabara de entrar na ladeira das Nações Unidas, mas só vejo controles remotos universais. Nenhum androide.

Não acho graça em mais nada. Volto pra casa e me alivia o medo do passado, na cidade que acumula sobre si uma vontade de não estar ali, nem a cidade aguenta a si mesma.

Corro para a redação, digo redenção imaginária e datilógrafo um texto para página policial, mas Humberto Lira já tinha feito. Um crime banal no Ponto de Cem Réis: uma mulher espanca um homem até a morte, por causa de uma cantada. Bem feito.

Não tem mais brincadeiras. A festa acabou.

Não sou nenhum desses homens, sou um velho em progresso, sobre a imagem de polígono do céu que transborda entre os varais da minha vida.

Estamos tão próximos e tão distantes que só resta um pouco da fresta, um pouco do vento, parede, cachorro, invisível meio céu da cidade, não sou um pouco herói, não sou nada.

Sonhei que todos os mortos se levantavam e voltavam para suas casas, onde já não tinham assentos, sem camas.

Voltei a cidade. Não sei por quanto tempo.

Kapetadas

1- Você sabia que no interior a gente não fala que vai ao centro, fala que vai na cidade? Então.

2 – Eu sou completamente a favor da exclusão de não-vacinados de tudo o que for possível e não estou aberto a debate

3 – Som na caixa: “Vaca, manacá, nuvem, saudade, cana, café, capim, Coragem grande é poder dizer sim”, Caetano Veloso.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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