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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Um achado

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publicado em 27/11/2021 às 08h20
atualizado em 27/11/2021 às 06h12

Somos o lapso de memória da fotografia.

Quando me cansa o que existe, o trivial, eu resisto, faço e refaço os caminhos, até chegar mais perto da luz. Como diz o poeta amazonense, que meu pai gostava, o Thiago de Mello, (1926),  “faz escuro mas eu canto”, ou invertendo o sentido, no escuro eu canto. Já fui canário do reino e cantei em vários lugares.

Voltava do Pilates, às 18h, quando vejo na calçada de um prédio junto a sacos brilhantes de lixo, uma contra capa de um álbum de fotografias, com uma foto colada, de uma bela senhora, segurando um bebê nos braços. Mania que eu tenho de procurar estrelas no chão.

Logo depois caíram indiscretos pingos de chuva, que iriam manchar aquela imagem. Em casa, fiz uma postagem aleatória no Instagram e uma hora depois, veio um direct do bebê, hoje, uma jovem bonita, dizendo: “eu sou a da fotografia, sou a criança com minha mãe”. Aquilo parecia um cinema desmembrando minha alegria, que atravessou o mar.

Conversamos pelo telefone e no dia seguinte fui entregar a fotografia.

A foto falava, em descrições vivas na luz, capaz de estalar as paredes do coração da mulher, que falava em Deus ao telefone, sobre esses sinais, essas impressões que raros podem desfrutar.

Pondo ordem na respiração, silencioso tudo isto, expectante na curta distância de onde morava a dona da fotografia, fiquei pensando numas coisas para as outras, um cântaro de barro, um jarro de flores, jamais em pedaços, recompondo o passado daquele bebê e o arrepio do que se reconhece, aquilo que antigamente se fez homem e bateu forte no meu coração sertanejo.

Fui reler o poema de Vinicius de Moraes, “Samba da Canção” (1967) de que “a vida é arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”  mas a essa altura da vida, discordei do poeta e pensei – a fotografia é que é o encontro da arte.

Ainda jovem, eu olhava as fotografias de meus avôs na parede da nossa casa, o sal da vida dos meus pais, que eu nunca pude chamá-los de avós, até que alguns anjos me faziam adormecer.

Na minha visão, uma escarpa diante de um céu azul, bem azul, tão azul como a frondosa árvore de Augusto dos Anjos, que o pai matou. Inspirando-me na confiança, fui me encontrar com a gaúcha Marjioli Timóteo, que me esperava na calçada do prédio, ela mora aqui no mesmo bairro, há anos, para devolver o que eu havia achado, a tal fotografia.

Eu não seria um ser iletrado, minha vida seria muito ruim, uma espécie cruel de suportar. Eu já luto por um bocado de alegria, fugindo da desigualdade e da lei dos homens, limpando toda minha saga. Não, eu jamais seria iletrado.

Na profundidade desse gesto e não precisa espanto, ter ido levar a fotografia da mãe segurando a filha nos braços, lembrei de meu filho Vítor, quando dava banho nele, numa banheira azul, num pequeno corredor que nos levava para a cozinha. Ele ria com o barulhinho da água sobre seu corpo, olhava para mim, sua fonte me dizendo que resistiríamos há muito e o que ainda está por vir.

Eu nem sei como acabar esse texto, talvez, fazendo outro caminho. A vida pede mudança. Mudei o horário do Pilates das 14h, para às 17h. Um achado.

Kapetadas

1 – Onde andará minha Kodak analógica?

2 – Cada vez que a gente se acostuma com a mesmice, a gente morre um pouco.

3 – Se a Ciência, como a poesia, usasse metáforas já saberíamos de onde viemos, o que somos e para onde vamos

4 – Som na caixa – “Acontecer de eu ser gente, e gente é outra alegria, diferente das estrelas”, Caetano Veloso

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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