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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

Um exemplo do poder público

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publicado em 22/11/2021 às 16h34

O maior patrimônio de uma nação é a criança. É sobre ela que repousam todas as esperanças e perspectivas de futuro. Por isso, diz Lya Luft (2020): “Quem ama cuida”. É na criança que deve haver todo investimento da educação pública pois estamos estabelecendo os direitos à cidadania, ao mesmo tempo que estaremos assegurando o desenvolvimento da sociedade e da civilidade dos povos.

O homem, diferente dos outros animais, tem que ser submetido a aprendizados contínuos, não os traz consigo instintivamente. O protocolo de convivência e de relacionamentos sociais terá que ser aprendido e ensinado através de um processo educacional. A quem cabe essa reponsabilidade? Onde isto se situa? Na família e no Estado. Num país em que a pobreza alcança, segundo o IBGE, 24,7% (2019) da população o governo tem que estar mais presente que em outros segmentos da sociedade, porque a camada da população abastada não tem tanta necessidade da sua interferência. As condições socioeconômicas que possui permitem arcar com os próprios custos de uma educação integral.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos a garante como pré-requisito para a paz, a justiça e a democracia, adotada pela Organização da Nações Unidas – ONU em 10/12/1948. Reconhecendo a fragilidade da criança e a necessidade de assistir a esse ser tão dependente, a sociedade planetária estabeleceu a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 20/11/ 1959, através da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

No Brasil, a Constituição Federal, no artigo 227, assegura a proteção integral à criança e ao adolescente. Isto significa dizer que a criança tem o direito de ser respeitada e desenvolver-se em um ambiente adequado, harmônico e acolhedor — com acesso à educação, alimentação, saúde e amparo afetivo, de forma que tenha sua integridade zelada. Com esse dispositivo é assegurado à criança plena proteção ao seu desenvolvimento – físico, psíquico-social-espiritual-moral-afetivo e cultural. Será que toda criança brasileira usufrui dos direitos que lhe são certificados pelos organismos nacionais e Internacionais?

Ao fazer este preâmbulo, quero relatar um projeto executado pela Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal de João Pessoa, através de um convênio com a Escola do Ballet Bolshoi no Brasil. Esta escola, localizada na cidade de Joinville, em Santa Catarina, fundada em 2000, é  a única filial do Teatro Bolshoi de Moscou existente fora da Rússia. Na anterior gestão do atual prefeito Cícero Lucena, em 2003, foi feito o primeiro convênio nos seguintes moldes: É um projeto que oferece oportunidade a crianças carentes de terem uma formação técnica de bailarinos, coordenado pela professora Fernanda Albuquerque, que atuou no projeto àquela época, quando foram selecionadas 7 crianças que lá estudaram e hoje são grandes bailarinos. Nessa nova gestão, Fernanda volta a coordenar o convênio celebrado entre a Prefeitura de João Pessoa e o Ballet Bolshoi.

Como acontece este intercâmbio? No primeiro momento são selecionados professores de educação física, que recebem treinamento dado por docentes do Bolshoi para que possam avaliar as crianças das 99 escolas municipais de idade de 9 a 11 anos, nascidas em 2010, 2011 e 2012. Os pais desses estudantes recebem um documento no qual deverá constar a autorização de consentimento para que possam participar do processo seletivo que é realizado utilizando-se a metodologia da ludicidade, em que se verifica: a postura, a coordenação motora, a mobilidade articular, os pés, a impulsão e a flexibilidade. Por meio destes exercícios identifica-se o talento da criança. Nesta etapa são selecionados 350 estudantes.  Em seguida, são submetidas à avaliação realizada por três professores do Bolshoi em que escolherão 20 crianças. Na etapa seguinte, elas viajam com a coordenadora e mais três professores para que, em Joinville, integrem, em nível nacional, a eliminatória do processo.

No final, concorrem crianças de todo o Brasil e às vezes de outros países, que queiram pleitear bolsas de estudo. Desenvolve-se em dois dias: no primeiro, ocorre a consulta médico fisioterápica, em que são vistas por vários especialistas da área médica, como: cardiologista, dermatologista, oftalmologista, pneumologista, educação física, odontólogo, cada um dentro de sua especificidade, o que é necessário para atestar se a criança está apta ou não.  A que for reprovada nessa etapa já não integra a seguinte. Das 20, 12 são credenciadas para a próxima avaliação da aptidão artística e de uma prova de português e matemática. Nos meninos é feito o diagnóstico do potencial da força, uma vez que têm de sustentar a bailarina e as meninas fazem o teste de projeção do quadril para verificar se estão dentro dos padrões das exigências de uma bailarina. Tudo em dois dias muito intensos. Das 12 crianças paraibanas cinco foram aprovadas, quatro meninos e uma menina.

Os escolhidos irão estudar durante 8 anos no Bolshoi e residir em Joinville. Todas as despesas serão custeadas pela Prefeitura através da Secretaria de Educação e Cultura com o objetivo de se tornarem grandes bailarinos. A educação é ministrada integralmente, sendo os alunos alojados em uma casa destinada a acomodá-los. A coordenadora está selecionando uma mãe social, que deve ser uma funcionária do município, a qual assumirá a responsabilidade da guarda da casa e das crianças. Outra funcionária será contratada como auxiliar operacional de serviços diversos a atuar com a mãe social.  Durante esse tempo os futuros bailarinos virão duas vezes a João Pessoa, uma no meio do ano e outra no final, a fim de não perderem os vínculos com os seus familiares.

Para a realização de todo o processo seletivo a Prefeitura Municipal arca com despesas de passagem aérea, hospedagem em hotel, vestuário das crianças com a identificação do Ballet Bolshoi, calçados e toda indumentária, além de quite higiene. Nos aeroportos chamavam atenção e mereciam elogios e fotos para publicação em jornais. Tudo com muito cuidado e responsabilidade a fim de fornecer o devido conforto, uma vez que estão saindo de casa e merecem atenção e cuidados especiais. A Prefeitura, durante o período da seleção, dá toda assistência no que respeita à manutenção de hospedagem, estudo, alimentação e amparo de saúde no que for necessário.

Como se constata, o Prefeito Cícero Lucena, a Secretária de Educação e Cultura, professora América de Castro e a coordenadora do Convênio, professora Fernanda Albuquerque, se sensibilizaram e fizeram retornar esse programa destinado a crianças carentes. Com isso, vislumbraram alimentar o sonho desses pequeninos, na descoberta de novos valores artísticos na execução de uma política de inclusão social das mais louváveis. Fico a lamentar que outros investimentos e projetos como este não sejam incrementados para que possamos resgatar a dança clássica na sociedade como um todo, conferindo a cidadania a gente tão humilde e necessitada de ser educada. Está provado que quando o poder político quer e há determinação a coisa acontece. Parabéns à PMJP! Merece aplausos por essa iniciativa.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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