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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

A quem pertence a Academia Brasileira de Letras?

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publicado em 12/11/2021 às 07h15

A quem pertence a Academia Brasileira de Letras?

Aos 92 anos, a maior de nossas atrizes, Fernanda Montenegro, foi eleita imortal da Academia Brasileira de Letras. Seu talento, dedicação e compromisso com a cultura brasileira são inquestionáveis. Entretanto, sua eleição – como única concorrente, em gesto de respeito – faz questionar: a quem pertence a Academia? Afinal, Montenegro é gigante, mas na arte de transformar as Letras de outras pessoas em encenação. Seu único livro foi uma biografia lançada há poucos anos, com maior teor histórico do que literário.

Antes dela, a última eleição para a ABL levou o cineasta Cacá Diegues a ocupar um posto. O caso do artista se assemelha ao de Montenegro, já que também é importante para a cultura brasileira, mas não em matéria literária.

A eleição de Diegues, porém, tem um agravante: para ocupar a mesma cadeira, disputava a escritora Conceição Evaristo,  reconhecida pela crítica e pelo público como uma voz elementar do Brasil hoje. Evaristo, que denuncia em suas ficções a realidade da mulher negra, liderou uma campanha popular a favor de sua candidatura. Petições com milhares de assinaturas, hashtags e reportagens endossaram a grandiosidade de Conceição e o seu pertencimento a lugares de destaque. Mesmo assim, perdeu a disputa, levando apenas um voto. E a Academia continua sem uma só mulher preta para contar sua história.

O machismo da Academia Brasileira de Letras vem desde sua fundação, em 1987. A escritora Júlia Lopes de Almeida participou de reuniões iniciais e contribuiu para a fundação da ABL, mas foi rejeitada no panteão por ser mulher. A cadeira que seria sua por merecimento foi concedida a seu marido, Filinto de Almeida, cuja produção intelectual nem se compara com a da esposa.

Diante de tantas limitações sociais para chegar à Academia, o caráter elitista torna-se indissociável da instituição. Lembro-me, então, do causo que inspirou Jô Soares a inventar o personagem reizinho. Segundo o humorista, um dos integrantes da ABL tomou um táxi ainda fardado, com toda a pompa que a indumentária de um imortal possui. O motorista, espantado com o fardão, indagou: “Sois rei?”. Um imortal pode até ser, mas nem sempre a coroa é merecida.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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