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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Galvão, um homem que eu amava

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publicado em 07/07/2021 às 11h04
atualizado em 07/07/2021 às 08h34

Eu vinha contando as horas. Os dias longos e imprecisos, para que não chegasse a notícia. Dias intensos, desde quando nos vimos pela primeira vez, até o litoral dos teus olhos e dos meus olhos, do meu alvoroço e da sua timidez. Sim, Walter Galvão, vou sentir saudade até da sua timidez.

No sentimento de sempre, devolvendo agora minha gratidão, a você que foi a primeira pessoa a ver em mim um talento, numa manhã em que eu ainda aboiava, feito um vaqueiro triste numa cidade grande.

Comecei a escrever na “Coluna do Leitor” do Jornal O Norte, em 1977 e você viu meu nome, não me conhecia. Ou já nos conhecíamos e não sabíamos? Você viu meu texto e que eu não poderia ficar esquecido, assim é seu nome, você morreu, mas seu nome não, sua obra não.

Você viu que eu não poderia não ser o que sou e você me chamou, deixou que eu soltasse minha palavra, num gesto gigante, me levando para outro espaço do jornal, para que os leitores lessem o que estava sendo publicado num espaço que já era do leitor. Obrigado, cara!

Minhas palavras agora estavam num lugar, digamos, mais arejado. Você via no meu meu rosto, minha glória e agonia. Você me tornou o jornalista que eu sou, mas ainda estou aprendendo, mestre!

Você correndo na praia e eu andando.

Você me chamava de mestre sabendo que eu era seu discípulo e me deu disciplinas, no exato instante, no momento em que eu jovem, e você me conduzia como um pai, me ensinou a ter cuidado com as palavras, dando-me a liberdade que meu pai me deu.

A gente trabalha a vida inteira para fazer poucos amigos. Você não era meu amigo, você era meu irmão, meu carnaval, meu orgulho, minha satisfação. Você tirou o medo de mim.

Ah, Galvão, como eu amo suas mulheres, Jória e Clarice, dos seus gestos com elas, tão amorosos, do seu texto que iluminava o meu e eu nunca consegui escrever tão bem.

Agora penso na vida pra levar, agora da sua partida, como se a vida fosse mesmo uma grande ilusão, mas a vida tem sempre razão, como está na canção de Jobim.

Tenho comigo ganho os dias em que estivemos juntos, pelos copos de uísque, filmes, livros e séries.

Então, você transcendeu. Como disse sua mulher hoje cedo: “o rio encontrou o mar”. Esse mar salgado, tão belo, que beberemos assim mesmo o sal da vida.

Estou vazio no plural.

Logo mais regressarei à mesa grande da nossa casa, onde conversávamos, nos alimentávamos, o laço e o nó.

Não morras nunca mais, WG! Digo-te, acrescentando que, mesmo assim, não quero falar da morte, muito embora – desculpa-me a insistência – os teus olhos estão abertos em nós, o calor por perto, então, sorria comigo!

Você me que disse mil vezes para eu me acostumar com as perdas e eu não consegui.

É o que me vale, o que valeu, sua vida, seu talento, sua vontade de correr mais, pedalar mais, com seu riso tímido. Vou sentir saudade até da sua timidez.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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