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ENTREVISTA MAISPB

Livro reúne histórias e fatos sobre futebol

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publicado em 08/05/2021 às 12h05
atualizado em 08/05/2021 às 15h11

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

Fomos para o meio de campo, encontrar o escritor e jornalista Eduardo Lamas, apaixonado por futebol e lançou “Contos da Bola”, com selo da Cartola Editora, nas versões em papel e digital. Trata-se de um livro curioso, daqueles que a gente se levanta da cadeira e grita: ‘goool”

A obra traz 19 histórias que abordam os mais diversos ambientes e personagens do futebol. Com “Contos da Bola”, o autor já soma quatro livros, sendo este o primeiro a sobrevoar velhos campos de futebol, as grandes finais, jogos decisivos, peladas de praia e de rua, jogos entre times de bairro e campeonatos de várzea, que só existem em suas páginas. Leitura obrigatória para quem gosta de futebol ou aprecia uma “pelada” literária.

Futebol é arte. É isso que vamos encontrar na literatura de Lamas. Das mais variadas e valorizadas torcidas e comentaristas esportivos, quando o futebol sai dos campos para as páginas, quando a bola é muito mais que um gol de placa, quando a bola sai das canções de Jorge Ben Jor, do pragmatismo dos fatos para as jogadas lúdicas da ficção.

A tabela chega com a imaginação do escritor, muitas vezes focada em episódios verídicos, alguns históricos para o futebol brasileiro e até mundial.

Na apresentação do livro, Eduardo Lamas lista os locais que o inspiraram a criar as 19 histórias relatadas com dramaticidade, humor e muitas vezes pondo personagens fictícios em situações inusitadas dentro de fatos históricos.

O prefácio é assinado pelo jornalista, radialista e escritor Alexandre Araújo, do consagrado grupo Pop Bola. Ele define muito bem o autor, quando diz que Lamas é “habilidoso, criativo e dono de uma visão de jogo digna de um camisa 10, neste “Contos da bola”, Eduardo Lamas deita e rola em divertidos e fantásticos “causos” do futebol, tabelando de primeira com o leitor”.

Mais sobre o autor

Morador de Florianópolis desde 2019, o escritor e jornalista carioca Eduardo Lamas foi Destaque Especial em três categorias (conto, poesia e crônica) do “IV Concurso Literário A Palavra do Séc. XXI”, em 2001. É autor das peças de teatro “Sentença de Vida”, encenada no Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo, em 2002 e 03, e “A Confissão” com o Oráculo Cia de Teatro; dos livros “Profano Coração” (poesias, 2009), “O Negro Crepúsculo” (romance, 2015) e “Sutilezas” (poesias, 2019), e do blog eduardolamas.blogspot.com.

É idealizador, pesquisador, redator e roteirista do projeto “Jogada de Música”, que foi quadro na Rádio Globo Rio, em 2017 e 18, e coluna homônima no site do Pop Bola (2018) e posteriormente, do IMMuB (Instituto Memória Musical Brasileira), entre 2019 e 2020.

Entre 1988 a 2013, trabalhou como jornalista em diversos veículos de comunicação do Rio de Janeiro: “Jornal dos Sports”, Agência “Sport Press”, Agência “O Globo”, “O Globo Online”, Revista e Agência “Placar”, “Lance Multimídia”, “O Fluminense”, “Jornal do Brasil” e “Globoesporte.com”. Em 2019 e 2020 fez entrevistas para o Museu da Pelada, em Santa Catarina, com os ex-jogadores de futebol Sergio Ramírez, Toninho Quintino, Renato Sá, Pintado, Mickey, Sávio, Oberdan, Paulinho Criciúma e Wendell.

O MaisPB conversou Eduardo Lamas e traz nos mínimos detalhes essa descoberta, um jovem escritor cheio de sacadas e lances de uma história que mexe com o planeta, o futebol.

MaisPB – O seu livro “Contos da Bola” é uma paixão pelo futebol, é presente para seus leitores que amam o futebol?
Eduardo Lamas – Sem dúvida. Uma paixão por um jogo, um esporte, que resume em muitos dos momentos entre as quatro linhas o que é a vida. Busquei em minha imaginação, na vivência com a bola desde garoto, a presença nas arquibancadas, cadeiras e geral, principalmente do Maracanã, posteriormente a experiência das coberturas jornalísticas e em histórias contadas por amigos, criar personagens com os quais o leitor possa se identificar ou identificar alguém que conheceu, um ídolo, um ex-jogador comum ou amador. E passando por situações pitorescas, inusitadas, dramáticas, irônicas, divertidas, engraçadas. Há em alguns contos algumas sutis – e outras nem tanto – críticas, analogias e chamadas para reflexão.

MaisPB – Você aborda os diversos ambientes onde a bola reina e personagens do futebol brasileiro. Como conseguiu fazer isso em contos?

Eduardo Lamas – Vivência e imaginação. Na apresentação do livro peço até desculpas ao leitor por não ser modesto ao dizer que minha imaginação é fértil. Realmente, criar é o que me move, o que me faz viver em plenitude. E a escrita é a minha forma de expressar meus “pensentimentos”. O futebol é um vasto mundo. Como joguei muita pelada em ruas, quadras, campinhos, campos oficiais (no estádio das Laranjeiras, inclusive, fazendo dupla de ataque com Nelsinho Rodrigues, no fim de 1991); tentei ser jogador de futebol, fazendo testes no América-RJ, Flamengo e Vasco; frequentei muito o Maracanã, e como sempre conversei muito com amigos também apaixonados por futebol constantemente, fui colhendo inconscientemente histórias e mais histórias. Uma hora elas iriam transbordar. Escrever pra mim é transbordamento, poesia, principalmente. E nestes contos creio que haja um pouco da poesia da bola. Não em versos, mas em prosa.

MaisPB – O livro vem de muitas experiências, das peladas de rua, das arquibancadas, cadeiras e tribuna de imprensa do Maracanã. Vamos falar desse ponto de partida?
Eduardo Lamas – Como disse anteriormente, esta vivência apaixonada que me fez reunir uma série de histórias. Falei em transbordamento, mas depois desta torrente, que vem muitas vezes de forma caótica, é preciso amansar a pelota e trocar passes para dominar o adversário, no caso a falta de organização e de coerência no que se escreve. Saber como misturar ficção com fatos históricos, por exemplo. E espero que os leitores acreditem que fiz bem, não só com boas intenções. Este segundo momento já faz parte da técnica, de mais racionalidade, aquela em que, futebolisticamente falando, o meia-armador ou capitão da equipe dá aquela quebrada de ritmo para o time poder ir ao ataque com organização e objetividade. Foi preciso fazer algumas pesquisas também, porque fiz questão de não inventar quando citava jogos que realmente ocorreram, como são os casos de Vasco x Santos, de 1974; Flamengo x Atlético-MG, de 80; o Brasil x Bolívia, de 81; Brasil x Itália, de 70, 82 e 94; Palmeiras x Inter de Limeira, de 86; o Vasco x Fluminense, de 87, entre muitos outros.

MaisPB Você é ligado nesse tema desde menino?
Eduardo Lamas – Sim, desde bem novo. Meu saudoso avô materno, Thomé de Souza Lamas, foi volante do Bonsucesso na década de 30. Foi o clube no qual Leônidas da Silva fez seu primeiro gol de bicicleta, mas meu avô não jogou com, mas contra o Diamante Negro, pois ele saiu em 32 para o Peñarol, do Uruguai, voltando em 34 ao Brasil para jogar no Vasco e meu avô atuou entre 35 e 38, período da transição do amadorismo para o profissionalismo no futebol brasileiro. Apesar de ter jogado no Bonsuça, ele era torcedor do Olaria, clube que leva o nome do bairro em que morava (subúrbio da Zona Norte carioca) e onde eu morei também até os 3, 4 anos de idade. Ele me levou muitos domingos pela manhã à Rua Bariri para assistir a jogos dos juvenis do Olaria. Lá vi começar o Lulinha, autor do gol do Bangu na final do Campeonato Brasileiro de 85 contra o Coritiba, e que também jogou no Botafogo. Meu saudoso pai não era tão ligado a futebol, mas gostava, principalmente de Copa do Mundo – Olimpíadas ainda mais, especialmente as partidas de basquete, que era o esporte que praticara na juventude. E foi com meu pai que comecei a ir ao Maracanã. Primeiramente para a chegada do Papai Noel, evento tradicional de fim de ano no Rio de Janeiro, nas décadas de 60 e 70, principalmente, e posteriormente aos jogos do Flamengo, meu time.

MaisPB – Na apresentação você diz que há histórias que lhe foram contadas e você fez a mistura com outras., mas em muitas o autor estava lá eu estava lá. Conte aí como foi esse processos de leituras, olhos nus e interpretações?
Eduardo Lamas – É um processo de criação muito curioso e gosto de falar disso. Aliás, ler e ouvir de outros escritores e artistas sobre este tema sempre me interessou muito. No conto “Picolé”, por exemplo, aquele que se passa na arquibancada do Maracanã durante Vasco x Santos, pela fase final do Campeonato Brasileiro de 1974, é a junção de duas histórias diferentes que me foram contadas por um amigo, que me inspirou a criar o personagem Nildinho. Já no do Fla-Flu, de 1977, praticamente só criei os personagens, os nomes dos personagens, pois a história narrada é praticamente a mesma que vivi, narrando algo que percorre o período de tempo entre a minha adolescência e uns seis anos atrás. Curiosamente, relata um fato que cheguei a pensar durante muito tempo ter sido um sonho meu. A da final do Brasileiro de 80, “O doido Cornoió”, a mesma coisa, juntando o que vivi e o que meus amigos que se separaram de mim logo na entrada viveram e me contaram depois. Nildinho novamente, agora com Mazinho Cornoió, inspirado num amigo que faleceu muito novo, aos 27 anos de idade, com Aids. Já “Futebol de sonhos” é inspirada na minha primeira experiência em peneira (teste), no América-RJ, mas ela não é totalmente fiel ao que ocorreu, nem mesmo o narrador da história – meu alter-ego, vamos dizer assim – pensava e agia daquela forma que está lá, muito pelo contrário, sonhei ser jogador de futebol, embora hoje eu saiba que no fundo acabei fazendo muito pouco esforço para isso.

MaisPB – Legal essa coisa de que uma mentira bem contada vale muito mais do que uma realidade mal (d)escrita. Tem muita mentira no futebol, não é?
Eduardo Lamas – Demais. Pior, mentiras mal contadas e que quase sempre iludem o torcedor. Podemos dizer o mesmo dos políticos em relação ao povo, olha o futebol como micro-cosmo da nossa vida cotidiana aí. Quantas vezes, um dirigente do seu clube não anunciou a possibilidade de contratar um craque logo após uma derrota vexatória? Os valores nas negociações de jogadores, especialmente para o exterior, tantas e tantas vezes obscuros. O que verdadeiramente aconteceu no episódio conhecido como A Máfia da Loteria, revelada pela revista Placar no início dos anos 80? Mas sei de uma história muito boa em que uma mentira foi bem contada e daria um ótimo conto, por sinal. Um repórter do Jornal dos Sports que não vou citar o nome, claro, cobria o Botafogo, na década de 90, e precisava preencher meia página daquelas antigas, grandes (standard, de 6 colunas), para o primeiro clichê (a primeira edição), com a chamada matéria fria (não factual) que seria substituída no segundo clichê pela crônica do jogo que seria realizado à noite. E o repórter não tinha nada apurado e não tinha tempo de apurar, então resolveu inventar uma entrevista tipo esta (ping-pong, pergunta e resposta) com o atacante Sérgio Manoel. Como o primeiro clichê só iria para o interior do Rio de Janeiro e outros estados, pensou o repórter, o jogador nem saberia. Só que a entrevista ficou tão boa, que o editor resolveu mantê-la no segundo clichê. No dia seguinte ao ver a entrevista que tinha inventado publicada no jornal que foi para toda a região metropolitana do Rio, ele tremeu nas bases e se preparou para a bronca quando reencontrasse o jogador. Para sorte dele, o Sérgio Manoel também gostou da entrevista que não deu.

MaisPB – No prefácio, Alexandre Araújo, radialista que é da área deixa claro que você faz gol nesse livro. E faz sim. Como tem sido a receptividade do público que gosta de futebol e agora tem seu livro como referência?
Eduardo Lamas – Antes de tudo agradeço ao Alexandre e a você pela deferência. A hora do gol mistura tantas emoções diferentes e intensas… Às vezes até raiva, o que não é o caso, claro. É sempre comovente quando um leitor faz um elogio ou revela como se identificou com determinados episódios ou personagens, lembra de alguns detalhes de uma partida que ele também viu ou que aconteceu em campo e nem foi narrado no conto. É especialmente um livro para a minha geração, pois falo muito de um futebol que está morrendo pouco a pouco nas últimas três décadas. Por exemplo, alguém tem notícias das peladas de rua? Não gosto de dizer que é de uma era romântica, mas vem muito de um outro planeta, o Planeta Século XX. Mas não fica só naquele outro mundo, tem o “Tino”, o Mimi Sodré do Século XXI, situado num interiorzão imaginário deste país, onde o futebol de várzea, amador, ainda resiste bravamente, ou resistia até começar a pandemia.

MaisPB – Você sabe que Nelson Rodrigues e o escritor paraibano Zé Lins, e muitos outros, adoravam futebol?

Eduardo Lamas – Nelson é uma referência para mim, tanto no futebol quanto no teatro. Tive o privilégio de trabalhar no Jornal dos Sports por quatro vezes, em algumas delas com Mario Neto, neto de Mario Filho, o Criador de Multidões como Nelson, seu irmão, o apelidou, e o já citado Nelsinho Rodrigues, filho do homem. Sobre Zé Lins tenho em casa, já há muitos anos, um livro do Edilberto Coutinho sobre a relação do escritor paraibano com o Flamengo, mas ainda não consegui lê-lo, falha que será corrigida muito em breve. Eu inclusive os homenageio, junto com João Saldanha, outra grande referência, com personagens na origem de outro projeto, o Jogada de Música, que nasceu para ser uma peça de teatro, mas que devo lançar em livro. Quem sabe em 22, quando Nelson faria 110 anos e João, 105? O centenário de Zé Lins é em junho agora. Citei o Jogada de Música, porque este projeto que iniciei em 2015, une duas paixões nacionais, a música e o futebol. Durante um longo período da minha vida – e certamente na de milhões de brasileiros (e brasileiras também) ainda ocorre – eu respirava futebol. E, mesmo sendo torcedor do Flamengo, adorava ir ao Maracanã para ver qualquer jogo. Se pudesse, iria a todos, morava relativamente perto, cheguei a ir e voltar a pé algumas vezes. Porém, com o passar do tempo fui ganhando outros interesses, artísticos, especialmente, mas que certamente têm como base também o que aprendi a admirar no nosso futebol, a arte de jogar. Costumo parodiar o poeta Ferreira Gullar para sintetizar o que penso sobre futebol: “O futebol-arte existe, porque a vitória não basta”. A dele é “A arte existe, porque a vida não basta”.

MaisPB – No primeiro conto, “O Torcedor de Videoteipe” você traz a figura de Didi que vê a seleção cantando o Hino Nacional, momentos antes da estreia na Copa do Mundo de 1970, contra a Tchecoslováquia. Vamos fazer dessa cena?
Eduardo Lamas – Muitos jogadores que atuaram ou atuam ainda pela seleção sempre falam que o momento do hino é o mais emocionante, principalmente numa estreia de Copa do Mundo, com toda tensão que a cerca. E como Didi, o Djalma inspirado no simpaticíssimo contínuo de mesmo nome que trabalhou por muitos anos no Jornal dos Sports, é um apaixonado pela seleção e não pode ver os jogos de 70 porque estava preso, creio que a emoção de ver aquela imagem na TV, numa madrugada insone, deveria ser muito grande e espero que os leitores percebam este “take”, esta tomada, este detalhe.

MaisPB – Em “Futebol dos Sonhos” você é o personagem. Isso lhe coloca dentro do campo imaginário?

Eduardo Lamas – Sim, principalmente neste conto, que já relatei um pouco do que se trata. É aquela minha primeira tentativa de ser jogador de futebol numa peneira, sem qualquer experiência em campo de tamanhos oficiais, pois eu jogava futebol de salão e soçaite. Emprestei ao personagem, então, algumas das minhas sensações, mas dei muito espaço para a ficção, pois o personagem principal parece meio como dizem que era o Garrincha, desinteressado, desapego totalmente, sem desejo de se tornar jogador de futebol. E incluí mais dois amigos nesta aventura, pois na realidade éramos três só e o desfecho é fruto única e exclusivamente da minha imaginação.

MaisPB -Quem seria o Arbitro Desonesto do terceiro conto? Um filho da puta?
Eduardo Lamas – Na verdade, honesto, porém humano, demasiado humano. Walquir Félix Morgado (mistura de nomes de três árbitros conhecidos das décadas de 70, 80: Walquir Pimentel, que conheci pessoalmente e foi meu adversário naquele jogo nas Laranjeiras; Luis Carlos Félix, e Roberto Nunes Morgado) é um personagem completamente inventado por mim, sem qualquer referência direta, específica, aliás praticamente todo o conto. Ele sonha encerrar sem manchas a sua carreira, embora muitas vezes, como todo árbitro brasileiro, xingado de filho da puta (ou, no som ensurdecedor das arquibancadas, “filhu da putá, filhu da putá, filhu da putá”), mas ele é posto à prova no último minuto. Por isso, outro dia escrevi nas redes sociais que, embora se tratem de histórias sobre o mundo do futebol, o livro não é se limita a isso. As hesitações vindas depois de tantas certezas pétreas humanizam mais um personagem, até mesmo uma pessoa de verdade. Isso traz em seu âmago uma beleza sem fim, embora possa levar a uma carga dramática muito dolorosa quando se trata de um ser humano. A tragédia e a comédia humanas nos palcos da vida. Porém, isso é o que somos, sublimes e abjetos, abjetos e sublimes. Estão em nós um número incontável de antepassados, com reis, miseráveis, ladrões, policiais, prostitutas, rainhas, princesas, burocratas, artistas, uma infinidade de gente de todo tipo, com o bem e o mal, e tantas outras variantes destes extremos, se confrontando numa guerra civil constante dentro de você. Em qualquer um, mesmo que muitos vivam anestesiados e nem de droga proibida precisem para isso. O que nos coloca num patamar ou outro são as nossas escolhas pessoais no dia a dia.

MaisPB – Em “Sinuca de Bico” você trata de uma casal tentando salvar o casamento, e envolve o Corinthians. E não tem final feliz. Vamos falar desse conto que é banal, no sentido de acontecer com muita gente?

Eduardo Lamas – Sinuca de Bico nasceu como um conto erótico e o corintiano não era viciado em seu clube do coração, mas em trabalho. Não havia originalmente qualquer referência ao futebol, só à sinuca mesmo. Este conto foi uma auto-adaptação, podemos dizer assim. Quanto a não ter um final feliz creio que haja quem vá discordar desta afirmação. Depende muito de quem leia. As femininas acho que vão gostar, as feministas já não sei. Os machistas certamente vão odiar, principalmente os machistas corintianos. Os machsitas palmeirenses, santistas e são-paulinos imagino que debochariam do corintiano até não poderem mais. Mas não é como no futebol, cada torcedor (no caso, leitor), sentindo o jogo de um jeito diferente, com emoções distintas? A vitória de um, é a derrota do outro. Mas será que há vitorioso e derrotado nesta história ou, no fim, cada um seguiu o caminho que escolheu? Não é só sobre futebol, definitivamente não.

MaisPB – Quem são os jogadores da sua predileção?

Eduardo Lamas – São tantos, tantos. Praticamente não vi Pelé jogar no seu tempo, só depois na TV, em filmes, e mil vídeos no YouTube, e Garrincha só no seu jogo de despedida, em 73, pela TV. Então, levando-se em conta 1973, 74 em diante, que é a partir de quando tenho memórias de jogos e jogadas, o primeiro ídolo foi o argentino Narciso Doval, depois obviamente, como torcedor do Flamengo, Zico, mais recentemente, Dejan Petkovic. Tínhamos até a década de 70 e meados dos 80, muitos dos melhores jogadores do mundo atuando em nossos campos, alguns que não tiveram fama internacional, mas que hoje teriam muita chance de brilhar em grandes times da Europa. Quando garoto eu gostava muito do Nelinho, por causa dos chutaços cheios de efeito e tentava imitá-lo, mas a maioria dos meus chutes nesta imitação barata saíam com defeito. Imitava o jeito de jogar de Júnior, Cerezo, Adílio, Falcão, Sócrates e muitos outros em brincadeiras na rua ou em campos de terra batida. Os dribladores sempre me fascinaram, especialmente Joãozinho, Edu (Santos) e Julio César Uri Geller. Embora tenha dado muito trabalho ao meu time, gostava demais do Reinaldo, do Atlético Mineiro. O Leandro, do Flamengo, foi o mais habilidoso que vi, tenho na memória lances extraordinários dele que nenhum vídeo, por melhor que seja – e há ótimos dele -, tem. Há muitos, muitos outros. Inclusive estrangeiros: Cruiff, Beckenbauer, Overath, Rep, Resenbrink, Maradona. Dos anos 2000 para cá tem muitos ótimos, a maioria no exterior, mas aquela fascinação infanto-juvenil não existe mais, então há mais análise do que encantamento. E hoje estou mais para torcedor de vídeoteipe, já que depois da pandemia não assisti a mais nenhum jogo na TV. Mas para citar um da atualidade, apenas um, vou sair do óbvio, que seria Messi, Cristiano Ronaldo ou, agora que está na moda, Haaland: gosto muito do futebol do baixinho Modric, o Duende como chamo este craque croata. Mas não o vejo jogar desde a Copa da Rússia, em 2018. Hoje talvez ele me servisse de referência para jogar, como foi também Gerson, o Canhotinha de Ouro, mesmo sendo de uma geração anterior à da época em que comecei a acompanhar o futebol. O ainda comentarista me inspirou muito quando eu jogava com aqueles lançamentos fantásticos que, até então, só tinha visto na TV.

MaisPB – Você é-autor das peças de teatro “Sentença de Vida”, que foi encenada no Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo, em 2002 e 03 e dos livros “Profano Coração” (poesias, 2009), “O Negro Crepúsculo” (romance, 2015) e “Sutilezas” (poesias, 2019). Vamos falar desse outro lado, do escritor apaixonado por futebol?

Eduardo Lamas – O teatro entrou em minha vida por intermédio de minha primeira mulher, mãe dos meus 3 filhos, a atriz Cristine Cid, que faleceu em 2003, com câncer, aos 33 anos de idade. Foi através dela que conheci o teatro por dentro, todo o trabalho de montagem de uma peça, no caso “Coquetel Molotov”, de Alvaro Ramos, encenada no Teatro da UFF, em Niterói, em 1990. Eu acompanhava os ensaios, pois Cristine estava grávida do meu primeiro filho, Lucas. Eu saía do Jornal dos Sports, no Centro do Rio, por volta de 21h, 21h30, e ía direto para Niterói, só voltávamos pela ponte para o Rio no início da madrugada. Acabei sendo chamado pela diretora, Alice Carvalho, para fazer a operação de som da peça, o que foi marcante para mim. Escrevi Sentença de Vida numa noite, num fluxo de escrita muito doido, intenso, mas não inédito na minha vida, para Cristine atuar. É um monólogo. Mas ela voltou a ficar doente e não teve condições físicas de atuar, passando a produzir e dirigir o espetáculo, que teve como atriz Denize Nichols. Daí em diante escrevi mais um esquete e sete peças, uma delas será apresentada no modelo cine-teatro, que é o que se permite na atualidade, pela Oráculo Cia de Teatro do Rio, ainda neste ano do 25º aniversário da companhia. Vou acabar com um jejum de 18 anos! Porém, como disse anteriormente, Uma coisa jogada com música, a origem do projeto Jogada de Música (“as músicas que contam, cantam e tocam de primeira a História do futebol brasileiro”) é uma peça sobre futebol e música (mais aquele do que esta) e ainda preciso pesquisar um pouco mais para terminá-la.

Os livros anteriores, todos em produção independente (fiz tudo, da capa à edição), são bem distintos deste, creio que com um público feminino maior, mais interessado. São dois de poesia (Profano coração e Sutilezas) e um romance (O negro crepúsculo), com poesia na abertura dos capítulos. Estão à venda na Amazon, na versão digital. O negro crepúsculo está à venda por demanda na versão tradicional, mas somente nos EUA, Canadá, Japão, na Grã-Bretanha, Alemanha, Espanha, França e Itália.

MaisPB – E aí, vamos fazer gol e sair dessa pandemia um dia?

Eduardo Lamas – Alguns países já conseguiram barrar a Covid-19. Aqui, neste nosso belíssimo e muito maltratado país, creio que sem precipitação, mas também sem a lentidão, a desorganização e a desunião atuais, vamos vencer esta batalha campal, mas sairemos muito machucados de campo. Infelizmente há muita gente atuando como nossos adversários – e não no combate à Covid-19 – com uma ferocidade até certo ponto surpreendente de tão burra, pois atua contra elas próprias e suas famílias. Espero que não demore muito a se darem conta dos gols contra a vida delas e dos outros que estão fazendo. Mesmo com muita dificuldade, acredito que vamos nos recuperar de mais este 7 a 1.

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