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Entrevista: Carpinejar fala em ‘Coragem de Viver’, sentir e ser grato

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publicado em 10/04/2021 às 12h56
atualizado em 10/04/2021 às 11h56

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

O escritor brasileiro Fabrício Carpinejar acaba de lançar “Coragem de Viver”, livro focado nas lições que ele aprendeu com a mãe, a escritora e poetisa, Dona Maria Carpi, 81 anos. O selo é da Editora Planeta.

“Coragem de Viver” chega aos leitores, numa homenagem a Dona Maria Carpi, pelos seus 30 anos de literatura, comemorados em 2020, ano em que o isolamento social, o medo e as incertezas da pandemia fizeram as pessoas repensarem a forma como vivem e a importância dos laços afetivos. O prefácio é da jornalista Fátima Bernardes, apresentadora da TV Globo.

São quase 60 textos, pequenos ensaios filosóficos do dia a dia. Carpinejar apresenta memórias antigas, cenas caseiras em movimento, transformadas em amabilidades da vida toda. Maria Carpi foi quem ensinou o filho a ler quando a escola havia desistido dele. Foi ela também quem recomeçou a vida, depois do divórcio aos 40 anos com quatro filhos, contas para pagar e nenhum bem. Maria Carpi é formada em Direito e forte como uma sertaneja.

No livro, o consagrado escritor resgata quase tudo ou o mais valioso que absorveu na companhia da sua mãe, numa narrativa que emociona, arrepia; envolvente e gera identificação nos leitores. Tipo encontre sua mãe na mãe de Fabrício Carpinejar. O tom de fábula é complementado pelas ilustrações de Ana Carolina de Paula (@anacardia).

Em “Coragem de Viver” ficamos cara a cara com a fé, o ciúme, a longevidade, sensibilidades, compaixão, egoísmo, dor, tristeza e, claro, alegrias. Carpinejar se supera. Em um dos textos, ele escreve como quem desenha, sobre a relação da mãe com a morte, para trazer uma consideração sobre o tema.

“Ela diz que não vai morrer por agora, pois ainda tem algo a dizer. Não conheço tamanha sabedoria para explicar o nosso fim. Só morremos quando não temos mais nada a falar. Quando o silêncio é perfeito. (…) Nossa bagagem é o coração cheio. O morto não sofre com a sua morte. São os vivos que não suportam a saudade”.

Em outro trecho da obra, ele relembra o tempo das dificuldades financeiras da família, após a separação dos pais. Carpinejar é a própria linguagem/carne/ensinamentos. “Jamais fui tão feliz na infância. Por não ter nada, éramos tudo um para o outro.” “Coragem de Viver” é um convite a todos os leitores a repensar as questões da vida e encarar as dificuldades para chegar bem ao aprendizado.

Com 46 livros publicados, e mais de duas dezenas de prêmios literários, entre eles o Prêmio Jabuti por duas vezes, Fabrício Carpinejar é um dos escritores contemporâneos mais aplaudidos do país.

O jornalista nasceu em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul em 23 de outubro de 1972, tem milhares de seguidores em suas redes sociais, em seu canal do Youtube e no Instagram. Todas às terças-feiras, ele faz uma live com o sugestivo título “Procon do Amor”, além, claro, de seus famosos guardanapos publicados nas redes, dia a pós dia, com sacadas intermináveis.

Em entrevista ao Portal MaisPB pelo telefone, o autor estica o tema do livro, mostra que a coragem está dentro de nós e expande o nosso conhecimento sobre essas criaturas tão preciosas que são nossos pais e irmãos da vida toda. Fala de gratidão, da morte, da boa conversa e de coisas mais simples como o ato de usarmos nossa melhor roupa para os outros, nunca para quem está pertinho de nós.

MaisPB – Como aconteceu a gestação desse livro sobre sua mãe?
Carpinejar – Foi um amadurecimento que transbordou com a pandemia. Estou num percurso de valorização das minhas origens, a partir de coisas fundamentais, antes que seja tarde. Com o isolamento e a distância, mais de um ano sem a minha mãe, eu tive essa premissa urgência de estar com ela, de fazer jus a memória dela.

MaisPB – Seu livro “Coragem de viver” aumenta a vontade de viver mais…
Carpinejar- Quando você diz que meu livro provoca a vontade de viver mais, isso acontece com a gratidão: a gratidão é a nossa maior coragem. Porque quando a gente é grato, renovamos os nossos caminhos. Eu nunca tinha ficado tanto tempo distante da minha mãe. Foi uma morte sentimental, uma morte emocional. Há mais de um ano que não posso abraçá-la, não posso tomar chimarrão com ela, não posso cozinhar para ela. Não podemos perder as horas conversando à toa. Não temos como emprestar livros um ao outro, trocar livros. Foi uma morte simbólica.

MaisPB – É a falta do contato da pele, né?
Carpinejar – Sim, da pele, do “cangote”. A mãe da gente é nosso primeiro perfume.

MaisPB – Ela tem livros publicados de poesias?
Carpinejar – Sim, ela tem 18 livros publicados e deve ter uns 23 inéditos. Mas ela é a paciência, publicou com 50 anos, o primeiro livro. Ou seja, eu tenho 48 anos e 47 livros, quase um livro por ano, contando os infantis. A mãe publicou bem depois. Ela soube esperar, ela tinha e tem paciência, discrição.

MaisPB – Coisa difícil é ter paciência, não é?
Carpinejar – Eu aprendi a ter essa serenidade, das pedras do fundo do riacho, rolando, rolando, até perder as pontas, até deixar de ser faca, deixar de machucar o pé. Isso é a paciência. A mãe tem muito dessa serenidade. No livro, eu falo que ela agradece o que tem e o que não tem, ao que fez e ao que não fez. Nós sentimos muita culpa por tudo aquilo que a gente não fez. E, pelo contrário, a gente esquece o quanto que a gente não fez, que fez também o nosso destino.

MaisPB – Você já tinha dito que o livro não é biográfico. E isso a gente percebe logo nas primeiras páginas. É um livro que conta uma história amorosa, sobre uma mãe amorosa e um filho amoroso?
Carpinejar – Sim, mas eu sou o reflexo desse amor da mãe e desse amor materno. O que ela mais deseja na vida, não é que eu a ame, mas que eu ame os meus irmãos. Os pais ficam tranquilos quando os filhos se gostam, quando eles se ajudam, quando eles não brigam. Quando os filhos unem as suas famílias. Eles podem partir em paz sabendo que vão se completar, que a infância ainda está inacabada, porque o difícil é ser irmão na vida adulta. É muito mais fácil ser irmão quando somos pequenos, dormimos nos beliches, brincamos, quando temos mais chances de fazer as pazes. Já quando se é adulto, você parece que cria a sua família para se afastar da sua família e qualquer ruído, qualquer questão você pode se afastar de um irmão que te quer bem.

MaisPB – Às vezes nos afastamos por besteira…
Carpinejar – Por bobagens. A intolerância é não escutar um não. A gente não sabe ouvir um não, pensamos que um não é desamor. O não é um cuidado, é um limite, que todos nós precisamos. Quando os filhos perceberem que não devem brigar entre si, já deixam os pais felizes.

MaisPB – Falando sobre isso, você já escreveu nessa pandemia “Cuide dois pais antes que seja tarde”, e “Colo, por favor” e esse que homenageia sua mãe. Eles formam uma trilogia e nos provocam arrepios…
Carpinejar – Exato. Você falou algo muito importante agora que é o arrepio. O que mais eu sinto saudade no isolamento é o arrepio. Arrepio é algo muito bom. O calafrio é o medo, o arrepio é quando a gente está vulnerável, quando a beleza pode nos arrepiar, quando a brisa pode nos arrepiar, um filme ou um livro nos provoca arrepios. Nós estamos numa couraça, sofrendo tanto, que não temos conseguido sequer se arrepiar.

MaisPB -Tem muitas coisas em “Coragem de Viver”, que provoca leveza, tudo tão parecido com todos nós filhos?
Carpinejar – Eu reclamava disso e me tornei igual. Aquilo que a gente mais reclama, é o que vai gerar mais saudade.

MaisPB – Você reclamava porque o jantar era o que sobrava do almoço?
Carpinejar – Eu não reclamo. Parecia que eu tinha comido menos no almoço para sobrar para o jantar.

MaisPB – O que sua mãe disse quando viu o livro pronto?
Carpinejar – Eu ia escrever o livro com ela. Foi um golpe de estado. A minha mãe é da moda antiga, e teria que ter sido presencial. O isolamento não nos permitiu essa oportunidade, com isso eu passei a entrevista-la, sem que ela percebesse. Pedi que ela me contasse histórias, e fiz esse livro de meu amor por ela. Quando ela recebeu, nem acreditou.

MaisPB – Na página 106, “A Sobrevivência Pelos Bons Modos”, você diz que a educação salva a gente…
Carpinejar – Se alguém é grosseiro conosco, não temos que ser grosseiro também. Eu não sou educado, porque a outra pessoa merece, eu sou educado porque eu mereço o melhor para mim, não importa as circunstâncias. Eu mereço ser sempre educado, ser sempre elegante. Se alguém vai me ofender, não significa que eu a atinja com a mesma moeda, eu não vou fazer isso.

MaisPB – Então, a educação é uma saída?
Carpinejar – É o único caminho. Para sair do extremismo ideológico, para respeitar as diferenças, pra não levar tudo para o lado pessoal. A gente não consegue conversar nenhum tema que não seja levado para nossa vida e isso é muito complicado. A gente precisa ter esse discernimento para todos os pontos de vistas e ver qual é a versão ajuizada. A gente não dá nem chance da outra pessoa argumentar. Tudo é feito na paixão, e a paixão pode ser um escudo da intolerância, da teimosia.

MaisPB – No capitulo “Onde está o tesouro?”, você nos mostra que o tesouro está dentro de nós, não é?
Carpinejar – É isso. E tem o fato da gente enfrentar o medo, o medo do desconhecido, a gente que enfrentar o nosso medo, porque é nele que a gente encontra a nossa maior coragem. Quantas vezes a gente não aceita uma alegria por não achar que é sincera, ou que é para nós. A mãe tem uma lição valiosa, que eu nunca esqueço, em que ela diz que nós perdoamos com mais facilidade quem nos fez mal e temos uma grande dificuldade para perdoar quem nos faz bem.

MaisPB – Sofremos demais com isso, não é?
Carpinejar – Sim a gente acaba potencializando o sofrimento, sofremos muito à toa pelos pequenos aborrecimentos, e eles gastam um tempo, o mesmo tempo que gastamos com uma dor. A gente nem repara. Nós temos uma grande dificuldade com a gratidão. O que é a gratidão? É reconhecer quem nos fez bem. Nós adiamos os amores, porque nós pensamos que os amores nos entendem e priorizamos os estranhos em nossa vida. A gente coloca a nossa melhor roupa para sair, a gente nunca coloca essa roupa para ficar em casa. Quando mandamos um e-mail para quem a gente não conhece, caprichamos demais no português, para mandar uma mensagem pelo Whatsapp para a quem a gente ama, nós abreviamos tudo.

MaisPB – Na canção “Todo Homem”, o artista Zeca Veloso, (filho de Caetano Veloso), diz que todo homem precisa de uma mãe…
Carpinejar – Precisa. A gente só precisa de uma pessoa confiando em nós, para aprendermos a confiar em si, uma só. Tudo a gente pode aprender sozinho, amor, fidelidade, esperança, menos a fé. A fé é algo que a mãe te emprestou. Eu sou filho da fé da minha mãe.

Mais – As ilustrações de “Coragem de viver” são de Anacardia. Vamos falar dessa beleza que se casa com seus textos?
Carpinejar – Eu encontrei ela pelo Instagram. Eu vi o Instagram dela e mandei uma mensagem: você tem uma missão, ilustrar meu livro. Ela pensou que fosse um trote. Meu livro ‘Coragem de Viver’ tem uma dimensão de todas as idades, a exemplo do “Pequeno Príncipe”, a gente tem parábolas, fábulas, metáforas, tem citações atemporais, que todo dia vamos experimentar na vida.

MaisPB – E tudo vem da mãe?
Carpinejar – Eu digo isso no inicio. Ela me alfabetizou, quando a escola me recusou, quando recebi um diagnóstico de retardo mental, ela me alfabetizou quando ninguém acreditava em mim. Ela me deu tempo para conseguir encontrar o lúdico dentro da linguagem, ela esperou que eu ficasse pronto para ouvir, para entender, para interpretar. Ela teve essa mesura, esse tempo comigo, para que pudesse surgir como uma flor na parede. Quem é do interior sabe o quanto isso é possível. Uma flor que nasce na calha, no telhado. Quando é para vingar a raiz será na pedra, será em qualquer canto.

MaisPB – E a fragilidade?
Carpinejar – É fundamental, é estratégica, porque a minha mãe nunca costurou meu corpo para o mundo, nunca fechou meu corpo. Ela sempre elogiou a fragilidade. Ela dizia: Fabricio, seja sensível, você vai sofrer mais, mas será alegre como nunca.

MaisPB– Eu gosto muito quando você diz que para “se decepcionar precisamos ter intimidade”. Aquilo que a gente sempre diz… “de onde menos se espera…”
Carpinejar – É justamente isso, nós só vamos cobrar de quem está perto, a cobrança é mérito da proximidade, da cumplicidade. A gente pensa, “Ah! Eu odeio meu pai”. Se você odeia seu pai e a sua mãe, é porque eles estão ao seu lado, ninguém odeia uma ausência. O ódio é apenas amor.

MaisPB – Você acredita que ganharemos essa guerra contra o coronavírus?
Carpinejar – Acho que sim, que vai passar, mas teremos sequelas – muitas. Medo é uma delas, as relações vão demorar para retornar sua naturalidade, a sua espontaneidade. Ninguém que tem sua casa levada pela enchente, vai olhar para a chuva da mesa forma. Teremos que ter muito mais paciência, para refazer a vida, um mutirão de solidariedade. O número de mortos é uma monstruosidade. Devemos nos precaver diante de possíveis isolamentos, será uma tendência da crise pandêmica.

MaisPB – E as redes sociais?
Carpinejar – Depende do que se faz nas redes sociais. Lá tem sensibilidade, status, exibição. Tem os que terminam indo para a inveja e o ciúme. Usar as redes sociais como um veículo da sua autenticidade, não importando as consequências, terá voz e respaldo. As redes sociais mostra o que somos solitariamente. Não são os muitos likes que determinarão o melhor texto, e sim, aquilo que eu acredito.

MaisPB – E a peça que você fez com seu pai, “De Pai para Filho?
Carpinejar – Sim, ele atuou na peça lendo meus poemas. Fiz esse livro para minha mãe e para meu pai eu fiz uma turnê pelas capitais do Brasil em 2019. Ou seja, eu dei trabalho para meus irmãos, agora eles se virem para mostrar o amor deles.

MaisPB

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