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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Viagem silábica

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publicado em 06/10/2020 às 07h20

(Para Berenice Paulo Neto)

Outros outubros virão. Este, nem parece rosa, mesmo que os prédios mostrem a cor iluminando o breu. Nem que eu mande mensagens por toda Internet. “Rosa Morena, onde vais morena Rosa, com essa rosa no cabelo e esse andar de moça prosa morena, morena Rosa” #Caymmi
Passados anos desde que enviei uma mensagem para uma bela mulher, recebi a resposta. Como uma garrafa de náufrago, entende? Isso mesmo, dos acasos de que é feita a vida, dos algoritmos (foto), dos antagonismos, dos reencontros, do que é feito os efeitos.
Amanheci feliz. Não sei porque. Sei. Tinha interpretado o silêncio como um discreto soar, que sempre entristece um pouco. Mas a resposta veio, essa coisa Transversal do Tempo, que me lembra o disco de Elis Regina, de 1978.
Veio como um golfinho, com sons de sins e bis. Abro o livro, releio os poemas malditos de Baudelaire. Eu não estou ali. Releio os textos que escrevi no final da década de 70. Estive lá. Coisas absurdas. Me afasto. Tenho medo de gripar, apesar da máscara. Já nem parecem meus. Estão amarelados. O tempo faz curvas e nelas não há pausas, nem santos, nem frio, nem calor. O mundo não mudou.
Releio as cartas de meu pai e sei muito bem porque as guardo comigo. Lá estão os sentidos, as orientações, o oratório das letras, com os santas me olhando. Meu pai nunca foi a uma igreja. Nem morto. Esqueço em que ano estamos, porque não estamos. Experimento possibilidades. Cara a cara, para que venha, vá, volte, chegue, um dengo ou algo assim.
Ofereço-me para ajudar os outros. Nasci assim. Morrerei assim. Cada palavra será sempre a primeira sobre outras sílabas, até que não exijam respostas. Por fim, por nada, por ser assim. Os sons estão em toda parte e dentro deles, o silêncio.
As unhas crescem muito rápido. Parece uma viagem, as unhas saírem da carne. Penteio meus cabelos. Escuto a mulher me chamar para tirar acerolas e faço-me ouvir, sempre dando conta do recado.
Nunca mais o zumbido do ouvido me fez uma visita. Amém. Dr. Ugo Guimarães já está mais entre nós, era ele quem tirava o zumbido dos meus ouvidos. Meu olhar habita um labirinto colorido. É uma viagem, mas sem droga e também meu voo no tato, como se eu fosse cego. Eu vejo o limite.
Não olho para o medo. De pés, nada me incomoda. Sou tão sentimental. Olho para as árvores. Os cabelos em pé buscam assento, logo são colocados à esquerda. De lado. O barbeiro pergunta: “O senhor usa para esquerda ou direita?” Eu digo, para frente.
Lado alado. Adoidado. Acordado. Alaúde. Avarandado. Amanhecer, que traz a pegada da madrugada. As sílabas são ótimas companheiras de viagens, elas indicam minhas palavras, “As Palavras de Sartre” (1964), de Manuel Bandeira.
Mudanças e perdas. Ali onde eu chorei qualquer um não chorava. Cada dor. Somos todos iguais nessa noite? Esta vista aérea é tão bonita. Qual?
Então, vamos seguindo. Enzimas, anticorpos, água, sal da terra. Cio. Moléculas amorosas: cenas emocionais contém hormônios. Eu li isso> Só sei de nada, sei.

Kapetadas
1 – Eu, hein? Deixa eu curtir o pagode do meu viver! Vou ali, está na hora da onça beber água.
2- O problema com o Basta! é que já não basta.
3 – O som na caixa dentro do texto.

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