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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Jeito de ser

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publicado em 22/09/2020 às 06h44
atualizado em 22/09/2020 às 03h46

Eu fico olhando o movimento dos barcos (foto)  na praia de Tambaú, imaginando o pensamento  dos pescadores, um bem na terra, um bem no mar. A cachaça e a solidão do mar.  O oficio de não temer mar adentro, para trazer o peixe, que é o sustento da família, e que chega até nós, com muito gosto. Gente humilde raramente engana. A não ser que eu esteja errado. Dizem que pescadores contam histórias mentirosas. É mentira.

Gente que fica sem jeito, um jeito de ser, a balançar as pernas, mexer as mãos, suando e desviando o olhar, eu sei que gente assim esconde alguma coisa ou mente, enrola, não se concentra, está alheio. Tá na cara. Mas o mundo é todo construído assim, e nesse “aglomerado”, nem todos merecem perdão, quando o certo seria a tolerância.

No século passado, conversava com um homem, que me contava vantagens e outro se admirava de si mesmo por despertar a atenção de um “pobre-diabo”, que se declara tão importante. O que é ser importante? O que é ser mais? Mais ou menos não é uma medida boa..

Tem pessoas que mentem o dia todo, a vida toda. Outras, confundem omissão com mentira e eu escutando Noel Rosa: “Pra que mentir se tu ainda não tens/Esse dom de saber iludir? Pra quê?! Pra que mentir”. Noel já em sua época fez canções para toda nossa vida. Um dia os jovens serão adultos e conhecerão a obra de Noel Rosa. Eu amo Lupicínio Rodrigues.

Mas por que o homem mente tanto? E o outro homem, aquele que se admira por achar que é admirado, é um tolo, fraquinho e vaidoso ao extremo ou o suficiente para não prestar atenção àquilo que ouve e não sabe e, mesmo assim, tudo que vem dele é mentira, balela. Tem um que fala tanto em perdão, em Jesus, mas o orgulho é maior que seu espaço arquitetônico.

Política é o fim. Já vi no noticiário que candidatos “imundos” estão na disputa. Eles mentem descaradamente. E o pior, tem uma legião de seguidores que mentem com eles. Política é o fim.

O mentiroso, quando se delata, coloca e tira os óculos da cara, se levanta, se senta e diz que já vai e se ajeita na cadeira. Corre pra dentro da casa para se esconder da verdade. O cara come que se lambuza, fica agoniado, sabendo que sua natureza está sendo revelada.

Tem gente que diz: “eu não pude ir porque meu filho estava doente”. Pode ser uma mentira, senão, uma justificativa batida, para não desagradar o anfitrião. Diga logo, não posso ir, nesse dia vou levar meu filho ao médico. É a mesma a mentira? Para esse tipo de gente, acho que ainda vale: “o prazer foi todo meu”.

Agora lembrei de uma canção de Paulinho da Viola, certamente, uma das mais belas, que pouca gente conhece. “Roendo as unhas”, ele e Ney Matogrosso gravaram. Escutem “Meu samba não se importa se desapareço, se desapareço, se desapareço/Se digo uma mentira sem me arrepender/Quando entro numa boa ele vem comigo/Fica desse jeito se eu me entristecer”. Não lembrei apenas porque o samba dele não se importa se diz uma mentira sem se arrepender. As mentiras amorosas, sua viola consola.

Gente roendo as unhas em público é triste – sob o olhar atento dos outros, os que fazem o social, que não sabem ao certo o que ou para onde olhar. Os olhares se perdem, as palavras caem no chão, ocas, estampidas e se quebram. Mas aí pode não ser mentira, é doença.

O homem mentiroso fecha a cara, dar uma de valentão, dar murros na parede, diz qualquer coisa que o promoveria a ser o primeiro da lista. Igual no cinema, quando o close são seus sapatos e, num gesto contido, eu indago:  há que quem fure o final da fila? Não, o começo é ali mesmo

Quem mente finge, finge que ama, finge que tem alguma coisa para dizer e não diz, em gestos ininteligíveis.

Eu olho as vitrines e não penso mais no movimento dos barcos de Tambaú, já que em gênero, não existe ficção.

Kapetadas
1 – Minta, pode mentir, você não terá insônia, ela é que tem você na luta de braço com Morfeu.
2 – São duas caras, a online e a offline. Aliás, são três.
3 – Som na caixa: “Fui muito fiel, comprei anel botei no papel o grande amor, mentira”, Chico Buarque

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