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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

A infância das bicicletas

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publicado em 30/06/2020 às 07h00
atualizado em 29/06/2020 às 16h09

Ninguém sabe de ninguém, ninguém sabe o que o outro tem, poucos sentem a dor de ninguém. Alguns sabem das árvores que usam das raízes como tatuagem, vestidas numa espécie de corpo divino desafiando a elasticidade da terra nos antigos jardins, onde enterramos a infância das bicicletas.

Hábitos dos velhos nas mesas de jogo em calçadas dos mercados jogando dominó e jovens jogam “porrinha”, na sombras das algarobas. Tudo ficou para trás, proporcionando a chegada dos coqueirais do litoral sob à luz do mar, onde pescadores matam a fome.

Estava pensando nas putas tristes de Gabriel Garcia Márquez, e fiquei a imaginar que as putas nunca foram crianças, apenas na imagem de um gozo comprado, numa velocidade sepultada. Como deve estar esse mercado? Já não existem mais putas como antigamente. É difícil vê-las junto ao largo do antigo Bahamas , fechando os olhos de outros embasados pelas cataratas, que não gozam mais. Ué, cataratas? Do Iguaçu?

Embora a dor se espalhe, com maior urgência, entre “marcos” e meninos, fiquei pensando no que conversavam Martinho Moreira Franco e Marcos Tavares, na calçada da Igreja Batista enquanto gazeavam aulas do Liceu Paraibano. Pelo telefone Martinho foi além da crônica da União.

Outras vezes, porém, nunca eternos, estamos encostados em lembranças demasiadas. Ô vida besta!

Eu amo todas as mulheres do mundo que têm seus homens aos pés. Elas imitam as rodas das bicicleta no chão de estrelas. Os homens são animais de sapatos brilhantes a desfilar nas avenidas. Uns e outros espantam a morte nos intervalos, mas não dizem como. Aliás, morrer ficou tão banal…

Às vezes na alma, no peito, somos as feras feridas da canção do Roberto. Ou somos apenas símbolos antigos de pai e mãe, ocupando o lugar da saudade nas pestanas. Meus olhos são da cor dos botões da camisola do dia da canção de Herivelto Martins. Tipo assim: “Amor, eu me lembro ainda, era linda, muito linda, um céu azul de organdi, a camisola do dia”.

Mãos calejadas que nos levavam à escola, mãos de lápis arco-íris pelos caminhos de grupos escolares, escolinhas, quando toda a matemática que nos resta é a memória do somar e pouco dividir.

Hiroshima ficou para trás com a sobrevivência das mulheres rotas alteradas da canção-poema de Vinícius, que ainda escuto no canto triste de Ney Matogrosso.

Quando eu era adolescente, nunca tive uma bicicleta. Já na capital, comprei uma bicicleta azul, que me roubaram e eu chorei dias seguidos.

Eu vou contando as horas, lembrando da canção de Kid Abelha. Como pode o tempo passar tão depressa e já perdemos tantos amigos? O filosofo Pondé tem razão: “Ninguém sabe nada sobre esse vírus”.

Vamos acordar?

Kapetadas
1 – O último açaí apaga a luz
2- Se o mundo tivesse começado no Brasil no princípio seria a verba.
3 – Som na caixa: “Diz que pedra não fala, que dirá se falasse”, Djavan

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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