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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

Apressados comem cru

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publicado em 09/06/2020 às 07h00
atualizado em 08/06/2020 às 16h08

O trabalho de pesquisa exige um Desenho para bom início. Um planejamento de como tudo será feito. Preciso saber o que vou fazer, e definir, o mais claramente possível, os métodos que utilizarei para chegar aos meus objetivos: testar uma determinada hipótese que criei, ou responder a uma pergunta que a comunidade científica se faz. No estágio em que as coisas estão, temos pressa. Cientistas do mundo se mobilizam para a criação de uma vacina, mas também em testar substâncias que, por algum lampejo de sorte, possam neutralizar o vírus inimigo. Várias foram testadas e, uma, trouxe mais divergências que soluções.

A questão talvez esteja nos métodos, supostamente capazes de anular fatores, fenômenos ou intencionalidades vindas do meio, ou do(s) pesquisador(es), capazes de interferirem no campo da pesquisa e na sua execução, de modo a comprometer os resultados. Se testo uma substância, não posso torcer a favor ou contra a minha tese, a de que o fármaco funciona ou é ineficaz.

Certos ou errados, temos que dar vivas a todos esses homens/mulheres que tentam nos salvar. Aliás, uma das coisas que mais me tranquilizou até aqui, é saber que eles se movimentam em todos os lugares, aonde quer que haja ciência. Querem dissecar a doença, saber o que se passa com os doentes, e se alguma substância age a nosso favor ou não. Amargam, entretanto, e nós também, uma corrida espúria contra o tempo. Na correria, muitos desvios podem ocorrer, por triste que seja, invalidar os resultados a que chegaram. Isso vem acontecendo! Os dois trabalhos de maior peso, pelo número de sujeitos, tiveram falhas de método detectadas. As próprias revistas médicas, de grande prestígio, salientem-se, “The Lancet” e “New Englad Journal of Medicine”, alertaram seus leitores e puseram-nos sob suspeição. A base de dados utilizada continua sendo questionada.

Tem mais: os vieses, ou erros, podem ocorrer antes, durante, vindos ou não do pesquisador, e até depois, por interesses quanto à publicação. Lógico! O laboratório que apresentar a melhor droga, acerta a milhar e quebra a banca. Muitos pesquisadores, inclusive dos trabalhos sob contenda, têm conflitos de interesse com laboratórios internacionais. Isso, do lado contra. Do lado a favor, também ninguém ainda conseguiu provar muita coisa, atendo-se a estudos vindos da observação da própria prática. Esquecendo os outros interesses, para permanecer no campo estrito da ciência, o comprometimento dos resultados gera prejuízos. Vejam que a OMS anunciou a suspensão de estudos em andamento, se desculpou, e já fez a retomada dos testes. Isso nos atrasa e é dinheiro perdido.

O que eu queria mesmo dizer, e não sei se disse, é que a ciência é pura, mas seus executores são falhos. Para resultados consistentes, é preciso um bom Desenho, com métodos bem definidos, ética e tempo para execução da pesquisa. Mas vocês sabem que não o temos. Assim, todos nós, inclusive os cientistas, estão comendo um prato feito às pressas. Portanto, não tomemos nenhuma conclusão como definitiva. Não custa nada lembrar do saber comum que meu pai, sempre que algo não saia bem feito, lembrava: o apressado come cru. Saibam, pois, que cientistas também comeram números mal cozidos.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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