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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Vamos falar do elefante na sala de estar?

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publicado em 05/06/2020 às 08h00
atualizado em 05/06/2020 às 06h51

Vejo pouco debate sério sobre a situação dos professores da rede privada neste momento atípico por que estamos passando. Em contrapartida, o que mais vejo é uma orquestração para se depreciar o Ensino a Distância. De uma hora para outra o EaD passou a ser ineficiente (há quem diga a EaD, considerando que é a Educação a Distância. Por motivos óbvios, não se educa a distância. Homero já nos dá essa lição na Odisseia e Platão a desenvolve na República). Discordo. Há ineficiência no ensino presencial também e muita. Como trabalhei por mais de 5 anos nessa modalidade de ensino e tenho 43 anos de profissão, como professor do ensino presencial, não falo por teoria, mas por experiência.

O Ensino a Distância foi uma ideia excelente. Para quem conheceu os rincões desse Brasil como eu, enfrentando vias carroçáveis, depois de pegar dois aviões e dirigir por 4 horas, sabe exatamente que era preciso criar uma modalidade de ensino que pudesse contemplar quem não pode sair de sua região, para estudar em um centro que disponha de mais condições. Cidades distantes como as que conheci no sul e no oeste da Bahia, pois a UFPB dava aula para polos ali situados, precisam de professores. O mais óbvio é a preparação de professores da própria cidade, pelas raízes ali criadas; cidades que, muitas vezes não dispunham de hotel ou onde almoçar era uma aventura. A preparação do professor para atuar na região onde mora é, não só uma oportunidade de ter professores que ali vão permanecer, mas sobretudo de abrir espaço para o avanço daquela região, cujas escolas não sofrerão mais com falta de professores.

O Ensino a Distância tem suas falhas, como já disse, porque muitos acham que vão conseguir se diplomar de qualquer jeito. Mas a minha experiência de professor universitário no ensino presencial me diz isto também. O fato é que quem quer aprender aprende com o professor a distância ou o com o professor presente. Quem não quer aprender, não aprende de jeito nenhum. A falsa ideia de que no ensino a distância não tem professor deve ser combatida. Tem professor, tem tutores para o professor e para o polo. Meus alunos nunca ficaram sem a minha intervenção, meus tutores sempre estiveram presentes e sempre fiz questão de conhecer os tutores dos polos, quando os visitava. Por outro lado, nem preciso dizer que muitos professores presenciais estão a distâncias quilométricas do ensino…

A situação que estamos vivenciando, imposta pela pandemia, trouxe à tona o debate, mas ele não está sendo travado. O ensino a distância, pelo que estou vendo está sendo rechaçado, sem piedade. Muitos professores, que têm seus salários garantidos, usam argumentos primários dizendo que não são youtubers ou blogueiros. Não se trata disso. Trata-se de aprender a usar as ferramentas que a tecnologia coloca à nossa disposição. Onde está o discurso de que o professor deve se atualizar, para poder inovar e acompanhar os alunos que já usam a internet com a mesma desenvoltura com que respiram? Sei que há muitos problemas com relação a alunos da rede pública, por conta da desigualdade social em que vivemos, mas isto deve ser motivo de debate entre os professores e secretários de educação, prefeito, governador, para se achar uma solução. Negar a existência de um instrumento que, devidamente utilizado, já se revelou útil e eficiente, é não querer dar a sua contribuição ao processo educacional.

No tocante ao professor da escola privada, cujos alunos, a priori, não se ressentem da falta de acesso à tecnologia para o acompanhamento das aulas, eu observo graves problemas. O primeiro deles é que muitos professores, que tomam uma posição entrincheirada contra o ensino a distância, esquecem que os professores da rede pública precisam sobreviver e se não trabalharem não terão salário. Os mesmos que não pensam em seus colegas de profissão são ultrassensíveis com relação a situação dos artistas, nesse momento. Nada contra os artistas, todos temos que sobreviver e a hora é de solidariedade. Mas precisamos pensar nos professores, que são a essência da sociedade. Como também fui, por muitos anos, professor da rede privada, conheço bem essa realidade do ensino privado. As sugestões que seguem têm o intuito de contribuir para a busca de uma solução.

1. Todos devemos entender que o que se propõe não é a substituição do ensino presencial pelo ensino a distância. Na situação em que nos encontramos, a tecnologia é uma alternativa para a garantia de empregos – estou fazendo, por exemplo, terapia pela chamada de vídeo do whatsapp –, para que não haja uma solução de continuidade e para, sobretudo, conseguirmos manter a sanidade, estabelecendo rotinas.

2. Os pais que têm renda garantida, que não sofreram perdas salariais por conta da pandemia e em cujo orçamento a mensalidade da escola do filho está devidamente planejada, devem manter o pagamento, sem negociar redução. Os demais devem buscar a negociação com a escola. Em todo o caso, é essencial que os pais fiscalizem se os professores estão recebendo, se não tiveram perda salarial e se os encargos estão sendo pagos.

3. Os pais devem debater com a escola – direção e professores – como vão ser essas aulas. Não há necessidade de sufocar os alunos, do mesmo modo que não se deve aumentar ainda mais o trabalho do professor. Há quem pense que o professor só dá aulas, que não precisava estudar e, sobretudo, planejar aulas. Para uma aula de uma hora ou duas horas, há um planejamento por trás, que pode levar um dia inteiro ou dias. O trabalho virtual consome ainda mais tempo. Falo de experiência própria, pois estou ministrando aulas na pós-graduação, que, à primeira vista não daria muito trabalho. No entanto, estou trabalhando mais do que o normal.

4. É preciso lembrar que, para muitos professores e alunos, esta é  uma situação nova, que envolve não só o equipamento a ser utilizado – smartphone, tablet, laptop, desktop (se é que alguém ainda usa) –, a plataforma a ser utilizada, que deve ser testada com antecedência (Skype, Zoom, Google Meet…) e a internet, claro. Este último item é um problema, pois a internet no Brasil é igual a político, custa caro e, não raro, é ineficiente. Pagamos pelo que não recebemos.

5. Não se angustiem achando que seus filhos estão perdendo tempo e vão ficar para trás na aprendizagem. Deem a sua contribuição, envolvendo-se mais tempo com a educação de seus filhos. É também uma maneira de entender e passar a valorizar o trabalho do professor.

Haveria muito mais a debater, mas ficam as sugestões. A hora é de bom senso e pede soluções, não negativas. A única coisa que não podemos fazer é ignorar a existência de um elefante, barrindo, em plena sala de estar.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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