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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Minha coleção de pedras

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publicado em 10/04/2024 às 07h00
atualizado em 09/04/2024 às 17h07

Minha coleção de pedras é um dos meus patrimônios íntimos, tesouro de estimação, delicado refrigério. Gosto de pedras como quem gosta de poemas. Não importa o lugar donde venham, não importa a espécie, não importa o tamanho, a espessura, o valor, a tonalidade das cores que podem revelar na sua intensa e surpreendente variedade.

Foi pedra, tem o meu respeito, a minha reverência, a minha admiração, o meu cuidado, o meu amor.

Não sei se esse gosto ou essa sedução estão ligados, como tantas outras coisas, à minha geografia de infância, lá na Comarca, ela mesma, na sua solidão e no seu silêncio, arrodeada de pedras por todos os lados.

Uma não me sai da lembrança e ainda ecoa pelo vento dos sonhos no âmbito especial da recordação. Isto é, daquilo que o coração pode nos trazer de volta, na carruagem lírica das palavras. Essa pedra tem nome, e o nome já diz tudo, nas suas ressonâncias melódicas e sugestivas. “Pedra do Sino”. Fica no topo de uma das serras que circundam o território agreste de minha cidade.

Outras, de estirpe diversa, compõem uma série a que nomearam de “Pedras das Cadeirinhas”, devido ao conforto que proporcionam aos que querem descansar, contemplando o núcleo topográfico das casas e das ruas. Lugar perfeito para abrigar os enamorados nas tardes de passeio e dentro do encanto que os move pelo mistério da vida.

Essas são pedra reais, objetivas, históricas, embora não fujam à força do símbolo, do mito e do imaginário. São pedras que participam de um contexto subjetivo, de um repertório pessoal que tanto podem instaurar lições de geologia quanto podem migrar para o tecido menos lógico do legado poético.

Deixem-me falar de outras pedras. Das pedrinhas de minha coleção. Pedras que guardo e que organizo em muitos escaninhos da casa, numa acomodação particular e quase mística, que enfeita e sacraliza o que parece menor e trivial.

Tenho uma, meio comprida, acinzentada, brilhosa, extraída do solo da Gruta de Angico e me dada de presente pelo poeta e declamador do Pajeú, Gilmar Leite. Como sou fascinado pela mitografia do cangaço, pedi ao bardo de São José do Egito que me trouxesse essa relíquia para enriquecer e rarear a minha coleção.

Na bela Serra de Cuité, fui agraciado, certa vez, pelo poeta Dinamérico Soares, com uma pedra em forma de peixe, amarelada, cheia de reentrâncias, vinda dos aluviões ressequidos da célebre Lagoa daquela região. O poeta sabia dos meus amores pelas pedras e quis me fazer esse mimo ou me mostrar mais um poema concreto de sua lavra exuberante.

Meu primo Orlando Jorge, iluminado aprendiz de fotógrafo, não se cansa de me presentear com pedras de todos os tipos e de todos os lugares. Umas, banais, singelas, anônimas; outras, preciosas, singulares, refinadas, aristocráticas. Pedras de Espanha, pedras da Holanda, pedras de Paris, pedras de Calcutá. Uma, pequenina e negra como as penas da graúna, segundo me afirmou, veio das altitudes do Tibete. Quando for à Sibéria, me garante trazer uma das mais raras daquele mundo branco e esquecido.

Há uma que é a menina dos meus olhos. Foi Larinha, minha neta travessa, que me trouxe lá dos riachos do Trapiá, um dos sítios de minha Comarca. Bem maior que as outras, de um branco leitoso, alumiado, um pouco pesada, um bloco de gelo difuso, solitário. Ornamenta, isolado, o centro do terraço de entrada da casa.

Refiro também as que eu mesmo me dei e que procuro, como menino curioso que nunca deixei de ser, por todas as bandas em que vagueio.

Possuo, na minha coleção, pedras de São Paulo, pedras do Amazonas, pedras do Sul, pedras de Pombal, pedras de Princesa, pedras do Ingá, pedras do Tocantins, pedras do Pantanal, pedras de Acauã.

Querem me fazer feliz, tragam-me uma pedra!

Sei que a pedra possui a sua didática. Conserva uma energia concentrada. Exprime o silente calor de uma vida secreta. Exibe uma ordem secular, severa, estoica. Pode me dar aulas de disciplina e meditação, me ensinar o sagrado idioma das coisas mudas, estabelecer uma filosofia da medida e do espaço, inscrever-se, na clareira da inércia, como um poema propício a férteis mobilidades.

Daí, o sentido de minha coleção de pedras!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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