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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Soluço sem choro

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publicado em 24/03/2024 às 08h46

O jeito de pensar do poeta Manuel Bandeira, no amor da vida inteira, no final, acenar, o túnel, ter o  poema como resposta,  uma cena que já passou, a hora mais que na hora de saber que algo terminou, na imitação da vida. Tanta coisa assim, o fim, o que pode ser e não aconteceu, uma vez que já não pulsa mais.

Um derradeiro instante, a ida ao último lugar, a mulher macia, o ser que vigora, a testosterona que se autodomina, a dona que não sente saudade, sequer soluça, chora escondido, mas é forte como o luar do sertão, já não chega e não tem mais lua cheia, nem chuva, nem o cheiro do perfume, do sexo.

Coisa bela não mais existe, quando até o galo canta e não soluça para que ninguém morra desavisado ou se pelo menos, desfrutasse de uma imagem tua, um poema, um pedaço de chão, mas é tão difícil soluçar sem chorar. Dois amores morrem, não nascem outros, seguem os corpos cansados por si próprios, apaixonadamente e nada mais.

Vou danado pra Catende,  cavalgando, viciado, com vontade de chegar, saindo dessa ciranda sem outra a girar. Apenas a última vez, já era noite, mas nunca a vi soluçar sem chorar – sem ida, sem volta, sem via.

Não vou mais danado pra Catende, na outra vida e glória e a beleza suicida que está no poema do Bandeira. Dois seres paridos no sertão, nem se chover, nem se rezar, de uma voz futuro pretérita, mas adeus, adeus morena dos cabelos cacheados…

Assim como o Bandeira, eu queria meu último texto, mostrar meu olhar sem olhar pra atrás, que tivesse em cada palavra o meu destino findo. Se fui onça, se fui jacaré, signo nenhum, que nesse mundo não existe coisa mais certa, uma altivez que finaliza o texto.

O lampejo da frase interrompida, o anonimato dos nossos nomes, meus lábios calados desde o estalo da última vez na mais irrevogável imagem perdida. Quereria assim fosse meu texto, último na descendência pela sina, sonho meu, sequer um choro contido.

Como se eu fosse o azulão na pausa do voo que liberta, na respiração interrompida, na respiração das palavras nuas, sua passagem na paisagem, no intervalo mais longo que a Estrela da Manhã do Bandeira.

Honrado, enquanto foi valioso, fizemos enfim as pazes e estaremos mais felizes, seja com quem for, o amor que já foi, o pó e o sol.

Mas porque tudo isso, esse turbilhão de imagens, se o sol e a lua não combinam? O poeta Manuel Bandeira, é sempre novo ao se revelar em seu poema, “O Último Poema” publicado em “Libertinagem” (1930).

Assim eu quereria meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais, Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas. Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume, A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos. A paixão dos suicidas que se matam sem explicação”

Eu que venho de longe, dos berros e assombrações, trovões, nunca vi uma pessoa soluçar sem chorar, e este poema  é uma real/idade, uma pessoa rara, nesse poema escrito sem palavra nenhuma.

Que fosse este meu decisivo navegar, quereria apenas a vontade de ser aquilo que se tem aos poucos, nada mais, nem as tempestades, nem o alívio. Nada além.

Kapetadas

1 – Um barco, uma ilusão à toa, de ótica, uma força a compreender sentimentos, de que nada sobra, só, somente só.

2 – Ocupados ou não, todos os sutiãs carregam anseios.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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