João Pessoa, 28 de abril de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Libertação

Comentários: 0
publicado em 28/04/2024 às 08h02
atualizado em 28/04/2024 às 06h16

Libertação. Tenho a impressão de já ter caminhado por essa estrada, com o cachorro Bola na coleira. Me lembrei do “Procure se libertar”, um disparo repetido, uma titilação, ou como dizem por aí, filosofia barata.

No filme “Uma Vida — A História de Nicholas Winton”, de James Hawes, a atriz Lena Olin, que faz o papel da mulher do Nicholas, interpretado por Anthony Hopkins, alerta o marido para se libertar. Não tem que ver o filme para entender a indicação, muito embora passemos a vida inteira para nos libertar das coisas que nós mesmos criamos e não conseguimos nos desfazer.

O filme conta a vida do londrino Nicholas George Winton, ativista humanitário que ajudou a salvar 669 crianças do Holocausto, antes da ocupação nazista da Tchecoslováquia e do início da Segunda Guerra Mundial.

Vamos imaginar que a libertação chega quando a morte bate na porta, mas não, se libertar começa na soleira da casa. Winton tinha uma habilidade: era cheio de papeladas – muita coisa em sua casa, centenas de fotografias e anotações – coisas que a gente vai juntando. Tem pessoas que guardam provas contra outras – aí já é uma doença.

Hoje, a expertise chama isso de “acumulador”, mas, necessariamente quem guarda fotografias e textos, sabe da importância dos livros, dos filmes e da necessidade dessas imagens, sem precisar emoldurá-las.

Liberte-se da estupidez, da vingança, não faz sentido. Seja cada dia um número, uma pessoa desprovida, passe essa sensação.

Liberte-se da morte, ela é a certeza, mas tenha certeza de que você gosta de si mesma. Liberte-se dessa mania de estar com muita gente, porque mesmo sozinho, não estamos só.

Crie um animal de estimação, cuide bem dele, mas não precisa ficar tratando o gato ou cachorro como se ele fosse seu amor. Não deixe seu animal virar você.

Liberta-se das hordas de tropas, gente que não trabalha e não deixa o outro trabalhar. Se não tiver companhia, vá ao cinema sozinho, vá a um café.

Em desatino, pense, não grite. Liberte-se da cara amarada, procure dançar, ligue o som e fale sozinho.

Sem disfarce, enfrente, mostre que você consegue mudar sem precisar que lhe digam, mas liberte-se, faça por você mesmo, não espere sentado.

Não precisa seguir o exemplo, o escutado dos pais e avós, se foram bons, siga a aritmética – mas liberte-se da conversa mole, das fofocas e da mania de sofrer por antecipação, não use,  nem abuse da amizade.

Mas não precisa se libertar do contentamento, da gargalhada, do abraço.

Liberte-se do deslumbre, mesmo que você esteja de volta a infância e que à infância, o colo imenso, onde cabia a vida toda.

O gesto de Nicholas Winton de salvar as crianças foi sua libertação, mas não foi por isso que ele viveu mais de cem anos. Não, ele conseguiu se libertar de muita coisa.

Isso não é autoajuda, jamais, mas vou colocar meu nome na lista dos libertadores, se eu conseguir, conto a vocês.

Sim, liberte-se da cruz.

Kapetadas

1 -A confusão é a seguinte: o que é grave parece brincadeira e as bobagens andam muito sérias.

2 – Para o tosco, a vida é curta demais para ser culta.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

Leia Também