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Polícia Federal aponta superfaturamento da ferrovia que cruza Goiás

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publicado em 15/07/2012 ás 15h35

Vinte e cinco anos atrás, uma concorrência de cartas marcadas tornou a ferrovia Norte-Sul um ícone da malversação de negócios públicos no governo José Sarney.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reabilitou a obra, mas uma investigação da Polícia Federal mostra que pouco mudou desde então.

Justiça manda sequestrar bens da família do ex-presidente da Valec.

Laudos periciais obtidos pela Folha apontam indícios de que houve conluio entre as construtoras encarregadas da obra, cobrança de propina e um sobrepreço de mais de R$ 100 milhões no trecho da ferrovia que cruza Goiás.

Os documentos ajudam a entender o que levou o ex-presidente da estatal responsável pela ferrovia, a Valec, a ser preso no dia 5 de julho.

Acusado de enriquecimento ilícito, José Francisco das Neves, o Juquinha, foi solto na última semana, após a Justiça avaliar que ele não oferece risco para a investigação.

Na noite de anteontem, a 11ª Vara Federal de Goiânia decidiu sequestrar bens da família dele –inclusive os comprados antes de supostos desvios na Norte-Sul e adquiridos de forma legal.

O dinheiro pode ser usado para ressarcir os cofres públicos –para o Ministério Público Federal, seria a primeira decisão com base na nova lei sobre lavagem de dinheiro.

Os peritos da PF analisaram o trecho da Norte-Sul entre Palmas (TO) e Anápolis (GO), contratado por R$ 622 milhões. Comparando os preços das construtoras e os do mercado, acharam diferença superior a R$ 100 milhões.
No lote 2, um trecho de 52 km entre Ouro Verde de Goiás e Pátio de Jaraguá, a polícia encontrou sobrepreço de R$ 25,5 milhões –20%.

A concorrência foi vencida pela Camargo Corrêa, mas a empreiteira deixou a obra. Ela foi entregue à Constran em 2009, mas o contrato venceu e a obra está parada.

No lote 3, com 71 km entre Pátio de Jaraguá e Pátio de Santa Isabel, a PF apontou sobrepreço de R$ 22 milhões, ou 13,5%. A obra foi concluída pela Andrade Gutierrez.

Nos 105 km entre Pátio de Santa Isabel e Pátio de Uruaçu, o lote 4, o sobrepreço apontado foi de R$ 48,5 milhões –ou 25% a mais. A Constran também abandonou o lote, entregue em 2009 à SPA Engenharia. O contrato venceu, e a obra parou.

Lançada em 1986, a Norte-Sul foi interrompida depois que a Folha apontou fraude na concorrência da obra. Uma nova licitação foi feita em 2004, no governo Lula.

Orçada em R$ 6 bilhões e dividida em vários contratos, a obra só prossegue porque as empresas aceitaram construir sem receber todo o valor contratado (parte é retida enquanto se discute o preço).

A PF reuniu indícios de que parte do dinheiro foi desviada para pagar propina.

A polícia considera revelador um diálogo telefônico gravado em outubro de 2011, entre o advogado de Juquinha e um ex-diretor da Valec, Luiz Carlos Machado de Oliveira.

O advogado pergunta a Oliveira se ele conversou "com a Galvão sobre aquele assunto", ouvindo como resposta: "Conversei. Eles dizem que vão acertar na semana que vem, assim que receberem".

Dez dias depois, a Queiroz Galvão recebeu R$ 4 milhões da Valec por conta de um túnel na Norte-Sul. Para a polícia, há suspeita de propina.

A investigação aponta sobrepreço de R$ 5 milhões no lote da Queiroz Galvão (de Anápolis a Campo Limpo).

Para a PF, um dos motivos para o superfaturamento foi o conluio entre as empresas. Laudo observa que 17 empreiteiras se interessaram, mas só 7 ficaram na disputa, exatamente o número de lotes.

OUTRO LADO – A Valec, estatal responsável pela ferrovia Norte-Sul, disse que pretende renegociar os contratos com as empresas nos casos em que for comprovado o sobrepreço. Se não for possível, a empresa diz que recorrerá à Justiça.

O advogado Heli Dourado, que representa o ex-presidente da Valec José Francisco das Neves, disse que a Polícia Federal usou "premissas erradas" ao analisar os preços cobrados nos lotes da obra.

Dourado nega que estivesse discutindo propina na conversa com o ex-diretor da Valec Luiz Carlos Machado gravada pela PF. O advogado diz que apenas pedira ajuda para cobrar da construtora Queiroz Galvão um pagamento por serviços que prestara.

"Eu não estava conseguindo falar com o diretor da Queiroz Galvão e sabia que eles iam lá acertar coisas. Por isso, pedi para ele falar para a pessoa me pagar", disse. Machado confirmou a versão.

A Queiroz Galvão não fez comentários, argumentando que desconhece a investigação da PF. A Andrade Gutierrez, responsável pelo lote 3, limitou-se a dizer que as obras foram concluídas sem que a Valec fizesse ressalvas.

A Camargo Corrêa, responsável pelo lote 2 até 2009, afirmou que "não procedem as acusações de sobrepreço". A Constran, que abandonou o lote 4, informou que a Valec convocou outra empresa para concluir as obras.

Folha de São Paulo

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